Compromisso

Acordou às seis da manhã com a dor a querer sair pela boca. Convulsa agitando o corpo, tosse do mais profundo de si. Nos pulmões uma emoção presa que gritava de sufoco. Na boca, uma náusea a sangue. E ninguém o sabia melhor que ela: ia morrer. O verbo que para todos estava no futuro, para ela era presente e até imperativo. Conjugado numa só pessoa, eu. Tu e ele num só adormeceram o choro na almofada, o único outro que convivia com a doença. Nós não existia, porque esse outro assistia, não acordava pela madrugada a cuspir sangue. Vós e eles tinham olhos estúpidos de pena e palavras hipócritas a que ela preferia fechar a porta (na cara). Estava sozinha. Certezas dos outros, ir ao cinema, dormir para trabalhar no dia seguinte, viagens e festas, eram nela a caneta nervosa na mão, a morte a bailar na agenda como a incerteza de cada dia na certeza do seu fim. Antes que outro alguém marcasse o seu único compromisso, escreveu à sorte num dos cinzentos dias no seu quinto mês de doença: morri.

Comentários

Marta disse…
"a morte a bailar na agenda como a incerteza de cada dia na certeza do seu fim"

arrepiante....