pequeno desabafo
O tic tac infernal do relógio penetra nos lençóis. Os olhos abrem-se com laivos de estranheza (parece que ainda agora se acabaram de fechar). O inconsciente buzina com insistência ao ouvido "devias ter-te deitado mais cedo". Afastados os zunidos das advertências do espírito, abrem-se as cortinas. São 6 horas da manhã e naõ se vê um palmo à frente do nariz. Está escuro como breu. Negritude instalada na vila-bela-adormecida, em que alguns sentem agora o nariz gelado à espera do comboio na estação. Sempre o tic tac permanente dos relógios, os dias contra-relógio cronometrados nas obrigações obrigatórias a que nos obrigamos. E oh que alívio profano quando rasgo a obrigação, espezinho com força, e lanço na sarjeta. Nos dias em que se põe a língua de fora ao ter-de-fazer e se fica pelo faço-o-que-quiser. E enquanto se vislumbram agora as primeiras gotas de sol, sem um único raio de chuva, já eu vou andando em passos pequeninos que hoje não fizeram gazeta, sentar-me na última fila da última sala do último andar para a obrigação-obrigatoriedade mas espontaneamente-interessante. A preguiça, maldisposta pela minha afincada recusa em ser, por agora, uma alma sonolenta, vira-me as costas e encolhe os ombros, suspirando. Sorrio pelo meio dos cansaços madrugadores. Valeu a pena não ter desligado o despertador, mas continuo a achar: os relógios às vezes deviam ser só para enfeitar. Naqueles momentos que deeriam ser prólogo sem epílogo. Espontaneamente-maravilhosos. Mas se a esmola é demais, não se diz que o Santo desconfia?
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(completamente texto de primeiro dia de novo semestre ;P)