Rotina
Dois extremos. O bater furioso das teclas do quarto do fundo ecoa pela casa, martela as vozes intrusas que irrompem por uma tela vibrante de cor que inflama os olhos pesados no sofá com crimes sangrentos. Anestesia de ficção porque a vida está no intervalo. No último quarto da casa, olheiras, café, cabelos despenteados, banho adiado, pijama, azáfama, ansiedade, deadline que bombeia o coração de adrenalina, e do outro lado, chá, chocolate, olhos que se tapam de pálpebras e cobertores desligando distraídos da televisão e o filme que continua sem se importar. Olhos abandonados na almofada viajam por estórias irreais enquanto deixam adormecer a sua.
E de repente os olhos esquecidos do sofá acordam num estranho silêncio. Espreitam o quarto do fundo e encontram o stress adormecido: os dedos cansaram-se de jogar às letras e descansam a testa despenteada e quente de pensar sobre a escrivaninha. Mais que palavras e metáforas são duas pessoas desencontradas na mesma casa. Ela leva-o para a cama, aninhando-se a seu lado. Arrastam o dia até ao momento em que partilham um cobertor. Adormecem de braços e pernas entrelaçadas num sussurro de amor, depois de um dia cego, surdo e mudo.
Assim se alimenta um habitante invisível daquela casa, a rotina, a louca suga-emoções.
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