O milagre da vida

Entrado naquele quarto fechei a porta, olhei ao fundo onde repousava aquela criatura doce. Remexia-se em espasmos e espreguiçadeiras num sono profundo, como se quisesse compartilhar algo, reproduzia suspiros suaves, em deliciosa acalmia.
Dei por mim, inerte, contemplando aquele espírito imaculado que dormia em seu leito, enclausurado ali comigo, naquele quarto que outrora me parecia tão simplório e sem vida, paredes baças e sem alegria, eu achava horrível, subitamente as paredes daquele quarto ficaram mais belas, decerto consequência do sol que começara a reflectir os seus raios para o interior, fazendo com que a mesma se tornasse mais luminosa aos meus olhos, não sei. A criatura continuava dormindo e pouco a pouco, era tomado por uma letargia que fazia com que ficasse imóvel a olhar aquele ser, que os meus olhos não se cansavam de observar. Parecia que o tempo, já não era tempo, dentro daquele quarto imaginava uma linha contínua da minha vida, que percorria toda a beleza do que via naquela cama, e que continuava reflectida nos meus olhos.
Minha mente começara então a fazer como que um quadro abstracto de todo aquele cenário que para mim parecia maravilhoso. Dava vontade de pegar um pincel, fechar os olhos, e desenhar os singelos contornos do que via, bastaria certamente uma tela a preto e branco, pois a pureza daquele bebé indefeso, fazia parecer tudo muito transparente.
Ele continuava a dormir no seu mundo de sonho, eu reagia, abandonava o quarto e agradecia. O milagre da vida.

Comentários

Marta disse…
Realmente o milagre da vida está nessas criaturas frágeis, inocentes, mas que são tão preciosas e contém em si mesmas o gérmen da vida.São o que já fomos e gostaríamos de volta a ser, protegemo-las, embelezam o nosso quadro da vida, mas temos medo.Medo de as ver crescer neste mundo em putrefacção rápida. Cada vez mais concluo que só o amor nos salva. Seja ele qual for e nos afasta da mediocridade diária.
E que amor mais terno do que por essas criaturas?
Fátima disse…
Deixamo-nos levar pela corrente do rio da vida, e abandonamos a pouco e pouco toda a fragilidade, a inocência, a beleza e a pureza, ímpares, que nos caracterizam quando, incompletos, tomamos uma forma humana. No entanto, há sempre alguém que consegue preservar em si um pouco da perfeição inocente com que desperta no milagre da vida... e tu, numa prosa suave, bela, revelaste que em ti ainda vive essa pureza. Parabéns por isso. Continua a iluminar os nossos dias com as tuas calmas palavras...
Daniel Cardoso disse…
Um texto que tem potêncial, mas com alguns problemas. Em certos sítios, a cadência da frase é perturbada pelas pausas (e.g. "Dei por mim, inerte, contemplando aquele espírito imaculado que dormia em seu leito, enclausurado ali comigo, naquele quarto que outrora me parecia tão simplório e sem vida, paredes baças e sem alegria, eu achava horrível, subitamente as paredes daquele quarto ficaram mais belas[...]) que talvez pudesse ser resolvido recorrendo ao uso do ponto e vírgula ou das reticências.Há também um erro de concordância verbo/sujeito ("A criatura continuava dormindo e pouco a pouco, era tomado"). Fora isso, mais algum trabalho poderá ser dado ao texto para o tirar da pura descrição e embutir-lhe algumas ideias, se o autor assim o enteder.

Prometeu
Daniel Cardoso disse…
José Saramago tem como hábito usar vírgulas ao invés de pontos finais e travessões maioritariamente em diálogos, e ainda assim preocupa-se em pôr uma letra maiúscula no começo de cada fala. Além do mais, as primeiras obras de Saramago foram escritas segundo as regras do Português corrente. Ainda assim, as vírgulas apresentam-se nos sítios correctos em termos de construção frásica e de pausas, criando um discurso fluído.

Ainda assim, peço desculpa por ter tentado ser útil; apenas não peço desculpa por ter dado a minha opinião sincera, que a resposta em nada vem mudar.

Prometeu