Telas de sonho

Sacudida e empurrada do teu mundo, sacudo-me, sacudo-te. Acordo, e já não és a simples almofada em que repousei e acalmei o meu turbulento e constante pensar. Abandonei-me em ti e roubaste-me, toda, no correr delicioso de momentos que só contigo partilho. Agora contemplo-me em ti, procuro-me em ti, mas hoje decidiste ser um espelho brincalhão que me desfoca e joga com os meus olhos, difusos, confusos… peço-te que pares e que sejas livro, que deixes deslizar, suavemente, palavras em que vivem os segundos que te sussurrei, porque és o baú sem fundo que guarda e esconde todos os pedacinhos do que sou eu, protegendo-os no silêncio iluminado por um luar envolvente, que cala os meus medos e angústias mais profundas.

Agora que a lua nos abandonou e levou consigo restos de um divagar alucinante de emoções que só a ti deixo brincar, torna-te livro, e solta os bocadinhos de mim, tu, que, transformando-te em tela, revelaste com cores ora suaves, ora quentes e fortes, momentos de uma vida noutra que só entre nós existe, a nossa vida, os nossos momentos – os nossos segredos. E escreve, escreve, solta na magia das palavras o que deixei num macio leito que embala em cores e toques suaves as frustrações e as desilusões de dias loucos, que fogem de mim. Dias que não me deixam fazê-los meus, escapando-me por entre os dedos como areias teimosas, deixando-se levar pelo veloz vento do tempo sem que eu consiga libertar todas as cores do arco-íris de paixões, ódios, e emoções que sou eu. Deixa-me beber a minha vida no suor de um rosto que deixei em ti quando corria por entre horas, minutos, segundos de recordações como caminhos minados de encruzilhadas em que me fui perdendo. Deixa-me perceber tudo o que deixei fluir esta noite, tudo o que libertei para ti, pedaço fofo de penas, coberto de flanela, e decorado de nuvens que navegam num azul-mar, em que mergulho e me envolvo, sempre que a lua sobe no céu no meu olhar… e me deixo amparar por ti.

E tu agora és tela de cinema, e passas um filme em que eu tenho o papel principal. Já não és espelho, já não és tela, já não és livro. És um fugir de imagens velozes e estonteantes, de cores e formas que se confundem, e fundem…teimosas, como as areias que se escapam por entre dedos, em que vive uma alma que tenta, em vão, dar vida a todos os seus suspiros. Imagens teimosas, demasiado velozes para se deixarem compreender. Como a minha vida, um filme que passa a uma velocidade vertiginosa um sem-número de cheiros, cores e sabores de dias de momentos perdidos, que navegam nas ondas de encantar, no mar de fantasias que és tu.

Comentários

Marta disse…
Obrigada por partilhares esse teu dom connosco ninfa...e por encheres as noites de pesadelos de palavras libertadoras e sagazes. Obrigada pela beleza interior arreigada em ti, e mais uma vez por libertares sonhos e fantasias.
Daniel Cardoso disse…
Um bom paralelismo entre vários tipos de arte e a vida. O livro, mais lento e reflexivo, o cinema, mais intempestivo e veloz. No fim, tudo é uma mescla destas várias coisas, e aquilo que exsuda de nós não consegue nunca ser capturado apenas de uma forma. Por isso existem tantas artes, das quais escrever não é a menor. Continua.

Prometeu
Anónimo disse…
Belo mar de fantasias espelhado em letras soltas que no seu conjunto formam palavras de sonho ;) bjs