Vírgula ponto final vírgula ponto final
Procuro-me entre estas letras e não me encontro, sei que me abandonei num qualquer ponto final, perdi por lá os sonhos também, hoje percebi que devia tê-los deixado entre vírgulas, ou parêntesis, quem sabe, que o saramago existiu para destronar a tirana gramática, viveu e morreu entre vírgulas também, sem pontos finais, e eu sem saber fui deixando pontos finais pelo caminho, em vez de vírgulas, que como as migalhas do Hansel e da Gretel dão sempre para voltar atrás, dá sempre para deixar mais uma ou outra e virar a história, como a vírgula vira o texto, deixei de virar a minha vida, e fiz pior, pior que pontos finais, fiz parágrafos, e de enter em enter deixei silêncios e sonhos por viver, sonhos calados no vazio da folha entre parágrafos, deixei que a gramática e o mundo ditassem os pontos finais dos meus sonhos-palavra, formataram-me o texto e a alma, as palavras arco-íris fizeram-se cinzentas e choveu, choveu, choveu até me varrerem as ilusões e perceber que o sonho não serve de guarda-chuva, é pequeno demais e vira-se com o vento, de repente parte-se e chove em mim, fica frio e tenho de desistir, é só por agora penso eu, como penso sempre, faço um novo parágrafo, e tento de novo sem parágrafos, sem pontos finais, tento resistir ao mundo de guarda-chuva-sonho nas mãos, e volta a chover, chove e tenho de mudar de parágrafo de novo, talvez até de capítulo e de palavras, e penso vai ser amanhã, amanhã é que vou conseguir, amanhã começo do zero, amanhã vai ser como dantes, começo um caderno novo de folhas ainda quentinhas, a força e o guarda-chuva-sonho vão ser maiores, mas nunca são, todos os dias chove e eu resisto, então procuro os seus beijos e ele dá-me um guarda-chuva-sonho novo, abraça-me e aquece-me do frio da chuva, e procuro-me entre estas palavras outra vez, não me acho mas resisto ao ponto final,
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(mary)