Tudo são histórias
"- Quero que reúna todo o seu talento e se dedique de corpo e alma, durante um ano, a trabalhar na maior história que alguma vez criou: uma religião.
Não pude deixar de desatar a rir.
- O senhor está completamente louco. É essa a sua oferta? É esse o livro que quer que eu lhe escreva?
Corelli assentiu serenamente.
- Enganou-se no escritor. Eu não sei nada de religião.
- Não se preocupe com isso. Sei eu. Não ando à procura de um teólogo, mas sim de um narrador. Sabe o que é uma religião, amigo Martín?
- Lembro-me muito mal do pai-nosso.
- Uma oração muito bonita e bem trabalhada. Poesia à parte, uma religião é no fundo um código moral que se expressa por meio de lendas, mitos ou de qualquer tipo de artifício literário a fim de estabelecer um sistema de crenças, valores e normas com os quais regular uma cultura ou uma sociedade.
- Ámen - repliquei.
- Como na literatura ou em qualquer acto de comunicação, o que lhe confere eficácia é a forma, e não o conteúdo - continuou Corelli.
- Está a dizer-me que uma doutrina não passa de uma história.
- Tudo são histórias, Martín. Aquilo em que acreditamos, o que conhecemos, o que recordamos ou mesmo aquilo com que sonhamos. Tudo são histórias, narrativas, sequências de acontecimentos e personagens que transmitem um conteúdo emocional. Um acto de fé é um acto de aceitação, aceitação de uma história que nos contam. Só aceitamos como verdadeiro aquilo que pode ser narrado. Não me diga que a ideia não o tenta.
- Não.
- Não o tenta criar uma história pela qual os homens sejam capazes de viver e morrer, pela qual sejam capazes de matar e deixar-se matar, de se sacrificar e condenar, de entregar a sua alma? Que maior desafio para alguém do seu ofício do que criar uma história de tal modo poderosa que transcenda a ficção, transformando-se em verdade revelada?"
in O Jogo do Anjo, de Carloz Ruiz Zafón
Não pude deixar de desatar a rir.
- O senhor está completamente louco. É essa a sua oferta? É esse o livro que quer que eu lhe escreva?
Corelli assentiu serenamente.
- Enganou-se no escritor. Eu não sei nada de religião.
- Não se preocupe com isso. Sei eu. Não ando à procura de um teólogo, mas sim de um narrador. Sabe o que é uma religião, amigo Martín?
- Lembro-me muito mal do pai-nosso.
- Uma oração muito bonita e bem trabalhada. Poesia à parte, uma religião é no fundo um código moral que se expressa por meio de lendas, mitos ou de qualquer tipo de artifício literário a fim de estabelecer um sistema de crenças, valores e normas com os quais regular uma cultura ou uma sociedade.
- Ámen - repliquei.
- Como na literatura ou em qualquer acto de comunicação, o que lhe confere eficácia é a forma, e não o conteúdo - continuou Corelli.
- Está a dizer-me que uma doutrina não passa de uma história.
- Tudo são histórias, Martín. Aquilo em que acreditamos, o que conhecemos, o que recordamos ou mesmo aquilo com que sonhamos. Tudo são histórias, narrativas, sequências de acontecimentos e personagens que transmitem um conteúdo emocional. Um acto de fé é um acto de aceitação, aceitação de uma história que nos contam. Só aceitamos como verdadeiro aquilo que pode ser narrado. Não me diga que a ideia não o tenta.
- Não.
- Não o tenta criar uma história pela qual os homens sejam capazes de viver e morrer, pela qual sejam capazes de matar e deixar-se matar, de se sacrificar e condenar, de entregar a sua alma? Que maior desafio para alguém do seu ofício do que criar uma história de tal modo poderosa que transcenda a ficção, transformando-se em verdade revelada?"
in O Jogo do Anjo, de Carloz Ruiz Zafón
Comentários