Pensamento

Há pensamentos que nos corroem a um certo ponto da nossa vida. Parece que estão vivos e, futilmente, acreditam que devem perturbar a nossa - já de si - problemática existência. Tenho um desses fantasmas no meu armário e que insiste que o seu lugar é ali, bem perto de todas as coisas que formam o presente e a lembrar que não posso esquecer o passado. Há um labirinto de escadas que subo, a trilhar novos caminhos e a acender novas chamas, mas o pensamento que me magoa obriga-me a descer degraus, a voltar atrás, a saltar de dois em dois e a começar a subida de novo. Quero mandá-lo embora, só que ele não ouve os meus gritos e enamora-se da minha covardia. Deixem-me voltar ao tempo onde este pensamento ainda não tinha sido conjurado, em que ainda não tinha sentido o peso que é calarem-nos de repente com a palavra desilusão. Desiludiste-me e eu não te pedi. Amaste-me e eu deixei. Agora há um pensamento, ainda, que se eleva acima dos meus gritos e das nuvens do céu. Vestido de negro e cara coberta, a lembrar-me a inocência perdida. Volto mais atrás na vida e estou ao baloiço. Tenho sete anos e não preciso de relógios. Alguém me empurra e o voo é em direcção ao céu. Dou beijos no armário e tenho namorados imaginários que não me podem magoar. O carrossel avança e depois já sou uma mulher, olho-me ao espelho e por entre os sorrisos sei que ele está ali. Imperturbável, sentado na poltrona da sala, o pensamento que me atormenta. Revela-se depois dos fingimentos de mais um dia e parece estar cada vez mais forte. Sorri-me, de quando em vez, e já nem precisa de falar para corroer as cordas da minha garganta. É uma memória de traição, desamor e confusão. Fecho a luz e tento adormecer. Sei que ele está lá, no meu mundo de maravilhas a dizer-me que é apenas um mundo de almas perdidas e anseios desfeitos. Vai estar nos meus sonhos. Vai regressar uma e outravez. A lembrar-me que não esqueci. A lembrar que há arranhões demasiado pronfundos que nunca vão chegar a sarar. O pensamento que me corrói.

Comentários

Anónimo disse…
Olá Marta! Vim parar a este blogue por acaso. Comecei a ler e não consegui parar. Devorei página a página e quando dei por mim já tinha chegado aos posts de 2007. Descobri que és licenciada em jornalismo e por aquilo que percebi foste trabalhar para uma ilha.
Tenho uma experiência muito parecida. Licenciei-me em Ciências da Comunicação e estou desde Janeiro na Ilha Terceira (Açores) a fazer um estágio profissional. Também tenho um relação à distância. E, meu Deus, como é difícil... Nem imaginas como me identifico com aquilo que tu escreves.

Parabéns pelo blogue! Continuem *
Anónimo disse…
Esteve nos açores em 2008 a estagiar 6 meses! felizmente ja voltou para mim ;) força nisso!
Marta disse…
é difícil sim..foi uma fase complicada. estás a gostar do estágio?? eu estive em ponta delgada

p.s sim já voltei para ti tolinho:p
Anónimo disse…
Sim, estou a gostar. Já fiz muitas coisas interessantes :) Mas tenho imensas saudades do continente. Já estou aqui há 8 meses, mas estar longe da pessoa que tenho há 4 anos ao meu lado faz-me querer ir embora daqui o mais rápido possível. Mas está quase, apesar de ainda parecer uma eternidade.


Cristina