O rapaz mais bonito da minha vila
Ele era o rapaz mais bonito da minha vila encantada de sonhos. Parecia ter sido feito à minha medida, especialmente porque a minha cabeça assentava perfeitamente na curvatura do seu ombro. Não era demasiado alto ou muito pequeno. Tinha a altura ideal e simétrica em relação à sua beleza. Ele era, de facto, o rapaz mais brilhante, esplendoroso, apetecível e misterioso da minha pequena vila. Uma vila cheia de pomares cobertos de maçãs vermelhas, de moradias coloridas e jardins cor-de-rosa. Ele preenchia todos os vazios e todas as esperas e todas as quimeras. O seu rosto era intenso, doce e tinha a cadência de uma pauta escrita a preceito. O seu rosto era música para os meus ouvidos. Os seus lábios desenhados a carvão faziam curvas e contracurvas, no meu coração sem travões. Não podia haver beleza assim. Não devia ser permitido porque assim alguém iria acabar por se apaixonar. Os seus olhos pareciam ter nascido só para que os olhasse assim, pareciam rir sozinhos e por si só e até acho que me faziam caretas. O rapaz mais bonito da vila tinha ar de matreiro e sorriso-verão. Tudo porque derretia até a neve mais espessa dos Invernos mais frios das ruas da pequena vila onde eu morava. Sobrancelhas levantadas, testa franzida, ao rapaz mais belo do meu mundo já lhe conheço as feições e as fintas. Esse rapaz parece ter sido pintado a tinta da china, mas é bem português. Brinca com o meu coração porque sabe que lhe dou troco. E não é pouco. Às vezes acho que me sinto um iô-iô e vou para cá e para lá no balanço das traquinices deste miúdo. Os seus beijos sabem a amoras e sem demoras quero prová-las outravez. A gula é um pecado feio, só que não há mal que não venha por bem. Se o diz o provérbio, porque não provar deste mal dos teus lábios, uma e outra vez, e colher as amoras até o sol se pôr e a noite chegar de mansinho? O rapaz mais bonito da vila diz que está apaixonado por mim. Dá para acreditar? Agora quando ando acho que os meus pés mal tocam o chão e caminho sobre nuvens. Não sei se ele sabe, no entanto, que eu também estou apaixonada por ele. Às vezes olha-me, de modo altivo, e parece estar longe. Está na minha vila mas acho que se perdeu noutro lugar. Saberá que é o mais bonito de todos? Tem de saber, é inevitável e completamente absurdo que essa ignorância possa existir. Ele sabe que é como um poema que não consegui acabar, porque me dói tanta beleza. É o rapaz mais bonito da minha vila e diz que só tem olhos para mim. Só que agora, às vezes e quando me olha, tenho medo que assim não seja. Afinal, que posso eu esperar?Uma comum mortal numa vila repleta de ruas pequeninas e tortas, como eu. De locais onde é bem possível que me perca mil e uma vezes, como num labirinto. Que tropece, caia, me arranhe. Será que ainda assim, o rapaz mais bonito da minha vila vai querer ficar comigo? Hoje ainda não o vi. Se o encontrarem digam-lhe que hoje gostava de colher mais amoras. Ele irá perceber que se tratam de beijos. É que o rapaz mais bonito da minha vila é meu namorado.
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