Cumplicidade pecadora
Estranho como continuas na minha vida sem estar. Acompanhas o fio ténue que nos enlaça nas músicas que eu oiço aqui e tu aí, loucos ritmos coloridos de holofotes e beijos estonteantes. Hoje é por ela que vou sabendo de ti, ela a pedra que atirávamos do caminho, de noite que não víamos por onde passávamos, tantas vezes em que nos perdemos na serra, ora de carro, ora a pé, dependia da velocidade de sentir que nos apetecesse. Ao amanhecer lá estava ela de novo, e aí quem tinha de se atirar para longe eras tu. Nunca entendi muito bem o que nos mergulhava naqueles escuros momentos de emoção. Talvez fosses uma maneira de não me importar com nada, e eu para ti o salto de trampolim dos teus dias sempre iguais. Não te queria durante o dia, a minha vida está longe da tua, no meu perfeccionismo não havia espaço para ti. A tua vontade era simples, nada te prendia a não ser ela, mas esse desafio eu não queria correr. Eu tinha planos e tu tinhas música, contigo não teria silêncio. Por isso assim continuámos, na nossa cumplicidade pecadora, encontros fortuitos de um abraço só. Apesar de aos outros parecer, não lhe sei chamar traição, nem desejo cego ou inconsciência. Não era o prazer que eu te pedia, mas o olhar. Esses olhos de que hoje me desviei. Prometi-me a não precisar de ti mais que isto, nas músicas que nos pertencem e oiço quase todos os dias, nas palavras em que ainda te oiço mesmo que por outra voz, ironicamente do rosto que nunca quis ver e hoje me precisa. E nas risadas à margem que dou quando me fala de ti, porque te conheço sem nunca ter acordado a teu lado.
Fica onde estás. Sei-te sem estares, e acredito que tu também.
Fica onde estás. Sei-te sem estares, e acredito que tu também.
Comentários
"Sei-te sem estares, e acredito que tu também."
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