Melodia de chuva
Estava a chover mas não fazia mal. Eu exultava por dentro enquanto soltava os cabelos. Caíam lágrimas do céu, num choro de paradoxal alegria com matiz de tristeza. Molhavam-me a alma e a face, num mesmo ritmo. As gotas tocavam uma melodia que não conhecia, talvez porque nunca prestasse muita atenção. Ia ficar constipada, mas nem isso importava muito. Eu dançava com a chuva e sentia-me viva. "Beijar à chuva é tão romântico", dizem por aí. Fechei os olhos na imaginação de um beijo molhado de gotas cristalinas. As vidraças dos carros e das casas estavam, nesse instante, polvilhadas de gotas que escorriam levemente, sem pressa. Eu tremia por fora mas dentro de mim fervia um bule cheio de água quente, para fazer chá de canela ou camomila. Desprendia-se um fumo de lareira da minha alma cheirando a rosmaninho e alecrim. E eu ensaiava passos desconhecidos ao ritmo intenso da música da chuva. De súbito e sem aviso, pararam as gotas. os pára-brisas dos carros voltaram à posição original. Só o meu cabelo molhado lembrava ainda o jardim de gotas, que o céu tinha enviado há minutos atrás. Pulando ao pé coxinho fui rindo e chorando para casa, de saudade e emoção. De alegria e tristeza. Estava na hora de enxugar os cabelos e as lágrimas.
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