Cidade nocturna
O cartucho das castanhas. Eu gosto muito de comer castanhas no Inverno, gosto de ver aquele fumo todo e as castanhas a serem embrulhadas quentinhas na folha do jornal. Estendi o dinheiro à simpática senhora e ainda olhei para trás. As cascas das castanhas no passeio a deixarem a marca de um caminho que vai ficando para trás. A cidade está iluminada. Por todo o lado as pessoas, mais e mais pessoas a viver mais um dia das suas vidas. Casais nos bancos, casais nos carros, um namorado a chorar enquanto passo devagarinho pelo carro deles. Lágrimas silenciosas de uma conversa inaudível. Bocadinhos de vidas (in)constantes que não conheço iluminadas pelos candeeiros da rua. A lua ergue-se enevoada no céu, no seu misticismo imponente. As lágrimas, desta vez minhas, escondem-se atrás deste véu de noite, atrás das ernormes árvores que assistem ao meu silencioso espectáculo melancólico. As sombras sinuosas dos outros erguem-se no outro lado do passeio.Mas eu hoje estou sozinha. Não importa quem venha, quem fale, estou sozinha comigo mesma numa esquina qualquer do meu eu. Numa conversa entre rumores entrecortados, de soluços camuflados. Hoje estou sozinha com a memória, que me conta histórias, como folhas que vão lentamente caíndo do esquecimento, ou da árvore, para o chão, ou para o pensamento. Mas o pensamento nem é o chão. O pensamento é uma avalanche. Que desagua em ti. Sim, o pensamento é fértil e no pensamento imaginativo do ser as avalanches podem desaguar. E só podem desaguar em ti. Tu é que és o meu espelho. E são os meus olhos que quero ver reflectidos quando olhas para mim. Um espelho sem mistérios ou vaidades, sem vidros baços ou estilhaçados. Não estilhaçes o meu espelho.
Continuo a caminhar, ora mais depressa, ora mais devagar, a cantar baixinho. Canto para me sentir melhor, canto para afogar este silêncio de medos e de palavras presas. Há uma palavra que inventei para ti. Ainda não tive, contudo, coragem para ta dizer. E continuo a tornar tudo muito complicado. A fazer do meu mundo um mundo de disparates. Conseguirás amar-me por entre todos esses disparates?Conseguirás vislumbrar neles, nesses olhar-disparate esse terror de te deixar cair?De te deixar escorregar das minhas mãos, de te deixar fugir do meu palco. De te deixar sair do meu argumento. Sim amar-me. Era dessa palavra que te queria falar. Mas mudei-a, renovei-a, dei-lhe lustro, pu-la num forno a mil graus, fundi-a e voltei a fazer da areia vidro. E termino por aqui, no meio de mais bocados de disparates. Só mais um disparate para finalizar: amo-te.
Comentários
** ná
eu ja comento a serio inda nao li
lolol