Audição

Não só te conheço pelo cheiro como pelo som da tua voz. E se as minhas gargalhdas cheiram a geleia de morango e torradas o teu perfume tem o som de suspiros. Tem o som da minha voz de textura de veludo, quando te falo com carinho, e a textura rugosa das nossas conversas em tom alto, por trás do som do café a ser despejado na chávena. Se se retirasse o cheiro do café ficaria só este som do bule a verter na caneca essa mistura de grãos, vindos de outras paragens longíquas, onde o sol abrasador deve estar agora a começar a erguer-se por trás de vegetações verdejantes e cânticos quentes dos habitantes.
O nosso beijo tem o som da respiração abafada e do comboio que passa pela estação no exacto segundo em que o trocamos. O nosso primeiro passeio tem o som da música que puseste no leitor de CD do carro e que agora não consigo ouvir sem pensar em ti. A nossa existência é uma banda sonora que não cabe nas colectâneas de discos que se vendem por aí. Muitas das músicas ficam esquecidas no armário das recordações e só voltam a activar aquela zona recôndita do cérebro quando por acaso estávamos a tomar duche de manhã e dá na rádio aquela música. Aí tudo desaba em nós. Foi naquela música que estávamos com aqueles amigos que agora não vemos há tanto tempo. Aquela música tem o sabor da melhor pizza que já comemos. Há aquela outra que nos levou às lágrimas impúdicas e pertinentes da primeira vez que nos rebentaram o coração por dentro, implodido e choroso. O coração fechou para obras. Sinais de stop a impedir a entrada, de sentido proibido, outros insistindo para mudar de direcção.. mas há sempre um condutor teimoso que não cumpre as regras: ou porque está embriagado nessa “coisa” da paixão, ou porque é obstinado o suficiente para não querer saber de porcaria de sinais nenhuns. Ah sim! Mas voltando à musica. Outras fazem-nos rir, ou sorrir. O sorriso é polisssémico multiforme. Há sempre aquele sorriso de circunstância, há aquele sorriso que tentamos conter mas não conseguimos abafar. Há o catálogo de sorrisos ridículos, onde se inserem os da paixão, os da “palhacice” pura com os nosso amigos, ou aqueles que soltamos quando estamso sozinhos por sabe-se lá o quê num ataque de histerismo. Cada riso tem o seu tom e som diferente. Cada voz o seu timbre. A tua voz tem um som de divertimento pueril, um tom de ligeireza e brincadeira. O meu soa porventura aos desenhos animados da infância perdida. E o som da tua voz age instintivamente no meu mecanismo de sorriso. Aqueles do catálogo do ridículo. É sempre assim.
Os meus pés têm aquele som característico no soalho, na calçada, no passeio, neste caminho que faço e me leva a ti. Há o som de espirros e tossidelas das pessoas que passam e até o barulho dos pingos de chuva no chão. Há o tilintar das moedas e o som de buzinadelas dos impacientes. O som da cidade agitada. Falta ainda o som do teu abraço: tem o som de correntes a cairem no chão, de portas a abrirem, de vidros de janela a partir, de muralhas a serem derrubadas, nesse abraço galopante que me derrota e me vence e me ganha e me perde. Ainda há o som das pessoas que passam na sua coscuvilhice e alcoviteirice aguda, o som de risinhos abafados, de correntes a arrastarem-se, num caudal de frustrações que não acaba mais. Ouço ao longe um piano nos meus ouvidos, um Chopin ou um Schubert e o barulho do mar num búzio invisível da minha cabeça. De repente acordo com um som inconfundível a sonho: o som do bocejo do espreguiçar matinal, o despertador na mesa da cabeceira e o apitar do telémovel.

Comentários

Fátima disse…
gostei da imagem deste texto, ninfa. conseguiste juntar todos aqueles bocadinhos que aprecias no que inspirou a tua criação, com pequenos detalhes que conhecemos das outras publicações. =) e como tocas cada pedaço que difere o que sentiste ao escrever este texto, saboreando-o... ai =) adorei.
Anónimo disse…
keria comentar mas nao sei o que dizer...acredito que a coisa mais bela a ouvir seja quando encostamos a cabeça no peito da nossa pessao amada e ouvimos o seu coração a bater....
Marta disse…
sim esse som é muito bonito...
Fátima disse…
lameeeeeeeeeeeeeeeeeechas. calai-bos carai. =) eu gosto mais quando não há som. e não vou explicar. gosto de olhos.
Anónimo disse…
lamechas....hummmmm
Marta disse…
esse fica para a minha sequela sobre a visão. schiuuu ainda está na forja