Estávamos os três como sempre na mesa ao lado do balcão a rir para garrafas douradas de cerveja. Toda a gente se sentava um bocadinho connosco atraída por aquelas loucas gargalhadas maiores que a música que tentava fazer mais barulho que nós. Toda a gente se sentava um bocadinho na cadeira de sobra em que apoiávamos os pés. Toda a gente acabava por se levantar por não nos conseguir acompanhar. Até que ela irrompeu pelo café e tremeu o chão das botas bicudas e decididas. Os teus olhos assustados nos meus e dei mais um gole na cerveja. Saíste da mesa chateado e arrastado para o canto pela sua cena de filme barato e decote fundo. Todo o café se virou de nós pra vós como se a televisão tivesse mudado de sítio. O canto em que sempre estavas com ela antes e eu era só mais um na mesa de vida não tão estridente como contigo. Ela sempre te quis roubar de nós. Sempre te quis fazer esquecer que nos precisavas para ser só ela o teu mundo. E quase conseguiu.
Os nervos as cervejas e o corpo dela contra o teu, de relance me olhavas eu que continuava a beber como se nada fosse. Não te sou nada, sempre tiveste medo dos meus lábios, de ficar preso a eles e nunca mais partir, tu o capitão romance de ornatos violeta, “não procuro quem espero, o que quero é navegar”. E ela desesperada à força te quis esconder nos seus braços e nunca mais largar. Beijou-te e soube a nada, mais tarde me contaste. Chega!; gritaste por cima dos seus acriançados soluços, e o nosso simples café a viver uma telenovela. Chegou pra mim também, levantei-me e puxei-te por um braço, “até logo, malta!”, e saímos os três do café. Em silêncio, sem mais. Para que não morresse assim nossa noite, numa cacofonia punk de uma criança em botas de cabedal e lágrimas de rímel, ridícula. Entrámos no carro, e acelerámos para longe de Lisboa. "Os serões habituais, e as conversas sempre iguais, os horóscopos, os signos e ascendentes, mais a vida da outra sussurrada entre dentes, os convites nos olhos embriagados (...) e há quem diga que nunca foi boa, a canção de Lisboa. " (JPalma)

Comentários

Susana disse…
Há pessoas que teimam em entrar na nossa vida e permanecer nela até deixarem marcas. Quase sempre conseguem.

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P.S. curioso... qndo comecei a ouvir a musica do Jorge Palma (que é liiinda) tinha a mão no queixo :)
AR disse…
que filme...!
=\

"nós sem ti não sabemos...libertar-nos do mal"