Contadora de histórias

Duas mulheres sentadas lado a lado no autocarro. Nas feições, o tom de pele denunciava a sua origem. Índia. A primeira, do banco da esquerda, tinha o cabelo solto e revolto e não ostentava sinais da sua cultura. À excepção de um jornal colocado debaixo da mala. O jornal era formado por arabescos. Palavras que eu não poderia entender. As vestes eram algo antiquadas e simples. Uma camisa comprida e umas calças castanhas. Enquanto o autocarro chiava pelas ruas a indiana, de pele cor de canela, sorria. Talvez sorrisse por desafiar as regras da sua terra. Na cadeira do lado, sentava-se uma velha. As suas vestes pareciam lenços que a cobriam, um brinco brilhava no seu nariz. Olhava para todo o lado e prescrutava a rapariguinha que sorria sem aparente razão. A carteira tinha elefantes dourados. Algo de cor vermelha surgia na sua testa escura. Em que pensariam? A mim pareceu-me ver reflectido nelas a modernidade e as tradições ancestrais. Ali, naquele autocarro onde mais ninguém deveria estar a pensar nisso. Onde raças e etnias se misturavam enquanto o autocarro abanava por todos os lados. Apeteceu-me não sair na minha estação e continuar a encontrar pessoas e reflectir nas suas histórias. Forjar as suas discussões mudas. Continuar sem conhecer as estações seguintes e perder-me por onde o autocarro me quisesse levar. Pelos bairros, jardins e fontes onde irei sempre beber desta fonte inesgotável; a imaginação. Com ela não sou só mais uma pessoa no autocarro. Sou uma contadora de histórias. E sou a própria história que criar.

Comentários

Fátima disse…
tantos mundo num só olhar.