Conto: O nosso (des)encontro

Olhou o espelho. Pôs os pózinhos mágicos da gente grande para ficar mais bonita. Só para ele. E ele estava lá com ela no pensamento, a menina até era capaz de o ver reflectido no espelho em que demoradamente se preparava. Ela, que nunca costumava precisar de muitos minutos para estar pronta. Vestiu aquela roupa que ele gostava tanto e há muito não saía do armário. E, claro, envergou o seu melhor sorriso, aquele que o menino preferia, que o derretia por dentro. O seu relógio louco e meio avariado passou muito rápido os ponteiros. Talvez por isso se tivesse atrasado. O rapaz desesperava da espera, queria saber quando ela chegava.Ai, quem dera que não houvesse um quando chegar, que simplesmente já lá estivesse. Impaciente, o rapaz ligou-lhe e ela ficou surpreendida de já ser tão tarde e de tanta impaciência. Até ficou meio irritada, mas tinha vestido o seu melhor sorriso e tinha tantas saudades. Imaginava a reacção dele quando a visse, hoje que ela se tinha esmerado para o agradar. Preferia até que não lhe endereçasse nenhum elogio e apenas sorrisse, enquanto ela o agarraria pelo pescoço com muito força. O dia não estava como ela, vestia-se de cinzento. Ecoava uma chuva e molhavam os relâmpagos (sim, eu sei que a chuva é que molha, mas os textos servem para inverter a realidade).

A passo rápido, já na estação, apanhou o comboio, e no quentinho do seu interior via a chuva pela vidraça. Adorava ver a beleza da chuva lá fora, caindo em lágrimas que molhavam o mundo . Sem se molhar ou ficar constipada. Se estivesse doente como iria ao encontro que tinha marcado? O comboio lá foi dimuindo cada vez mais a distância entre ela e ele. Que diria ele quando a visse?De certeza que a ia achar bonita. Ele acha sempre, como ela o acha a ele. È da paixão. Mas ele é verdadeiramente bonito. Saiu do comboio e foi andando sonhadora até ao local onde o esperaria. Ele ainda não tinha chegado, foi olhando para um lado e para o outro, como quem atravessa a rua na passadeira, que parecem riscas de zebra. Só que ela preferia as girafas. Ele tinha predilecção pelos tigres. Ajeitou a saia, mexia nervosamente no colar.

E lá estava ele, os olhos dela brilhando de paixão. Ele a túlipa no meio de um mundo de rosas. E só ela sabia como amava as túlipas e a sua forma perfeita. Ele era a sua forma mais que perfeita. Olharam-se mas ele não sorriu, não a elogiou e nem sequer a beijou. Ela sabia que ele gostava dela. Mas quando ele a beijou e lhe deu a mão já era tarde. Já a água polvilhava as palavras da rapariga. Saía dos olhos. Eram lágrimas como na chuva. Seguiram de mãos dadas mas o sorriso que tinha vestido com tanta delicadeza tinha-se rasgado. As músicas que lhe tinha escrito tinham desaparecido da cabeça. As que ele ouviu e ela pediu desculpa. Da vergonha em mostrar algo tão seu. Olhava-o e ele sabia. Da tristeza que mergulhava nos seus olhos castanhos. Do choro, que tinha tentado aguentar em tantas outras ocasiões, e agora parecia nem ter fim. Um frio na barriga invadia-a e substituía as borboletas e formigas, que antes lá passeavam. Naquele momento não restava mais nada para partilhar. Ele não entendia. Mesmo que ela explicasse. A cabeça dela era tonta,dizia-lhe. E isso magoava ainda mais. Ele não entendia.Mesmo que ela chorasse. Essa rapariga era eu. Ela e ele. Eu e tu.

Comentários

Fátima disse…
às vezes não é preciso entender, há tanto na cabeça que não nos conseguimos perder em palavras vãs. ele gosta dela, ele sabe que ela está lá sempre para ele, para se pôr bonita e sorrir largamente. e ele emociona-se de tanto amor, mesmo que não o mostre! há sempre inspíritos fortes que preferem não dizer em vez de forçar... mas sentem...

mas sim, dói! e dói muito, mas quando se ama resta esperar por um dia melhor. nada a fazer...
Marta disse…
Claro. porque quem ama espera sempre:)que passe a chuva e faça sol.
AR disse…
os homens simplesmente não entendem...=P
Anónimo disse…
ar...é o que corre nessa cabeça!!
Anónimo disse…
penso que essa do ar tenha sido pra ''ar''
nao se pode falar sem saber os dois lados da historia
Fátima disse…
foi um comment sem nexo, que poderá ser apagado!
Anónimo disse…
Gosto mesmo muito de vos ler e este tocou-me especialmente. Parabéns, adorei, adoro sempre.
Alexx M. disse…
Qd dói, dói mto, dói fundo na alma, pequenos detalhes esquecidos na correria apressada da vida... Pequenos gestos ignorados pela sua pequenez (que é o que faz com que sejam tão importantes)... Pequenas coisas que náo são assim tão pequenas...
Mas quando tudo se resolve e a chuva parte, deixando o céu sem nuvens, então o brilho do Sol apaga as sombras da incerteza e somos amadas de novo!! E é tão bom sermos amadas...
Muita sorte para ti, minha ninfa linda, e muito obrigada pelas horas em que me aturas. És 5* :)