As if they were still lovers
Corria de parapeito em parapeito. O vento e a chuva tinham escolhido o momento perfeito para brincar com ela. Sabiam como se ria sozinha quando passava pela vitrine dos cafés e entre um senhor careca de fato e uma delicada senhora de permanente, se reflectia de cabelo desalinhado e encaracolado, despenteada no espírito e gargalhada de aspecto ridículo. Só assim se via como era, um alvoroço estupidamente feliz. Sabia que não estava bonita, mas não se importava. Nunca o fora, mas o sorriso servia para alguma coisa. E esse sabia usar melhor que a preferida t-shirt azul-clara às riscas.
As nuvens continuavam a chicotear de lágrimas as costas e a esborratar a pintura dos olhos. Entrou de repente para uma loja, não aguentava mais, de qualquer maneira já ia a meio da aula e não lhe apeteciam monólogos com antipatia e desprezo. Enfiou os dedos por entre os nós do cabelo para não parecer tão de outro mundo. Fazia caretas enquanto as mãos desafiavam as ondas teimosas. Desistiu. Cirandou pela loja como se lhe interessasse mesmo alguma coisa. Era de informática. Bonito serviço. Os computadores não se experimentam, não são roupas, não tinha nada que fazer ali... (E que pensamento tão idiota.)
- Posso ajudar? - um sotaque diferente e uma voz quente arrepiou-a e estremeceu as costas enchardas. Virou-se. Não podia ser...
- Pilhas... Está a chover e... precisava... - de olhos baixos, meteu atabalhoadamente as mãos nos bolsos. Será que ele a reconhecia? Não tinha passado assim tanto tempo, mas...
- És mesmo tu! Mas não te queria telefonar, tinha medo que não acreditasses e ficasses chateada... - respondeu-lhe um sorriso louco e familiar, abraçando-lhe os ombros molhados e os braços inertes de choque. Era mesmo ela, despenteadíssima como sempre, mas com aquele olhar perdido que o tinha apaixonado.
- Mas, que fazes aqui? - perguntou para o pescoço deitado no seu ombro direito.
Levantou a cabeça e muito depressa contou que tinha escolhido fazer um estágio em Lisboa, era mais uma daquelas decisões loucas que gostava de tomar.
- Tu nunca gostaste da cidade!! - exclamou, incrédula de coração a bombear de nervos. Queria fugir. Estava chateada sim, depois de tanto tempo sem falarem resolveu trabalhar a passos da sua faculdade!
- Oh, a verdade é que acabei o curso com uma média baixa e só arranjei qualquer coisa aqui... Esta loja está a abrir agora, e precisavam de pessoal. - admitiu, desarrumando umas caixas de impressoras. Estava envergonhado com a confissão, afinal ela sempre fizera tudo bem, era a sua heroína das mil histórias e tantas coisas de que sabia falar. E queria tanto beijá-la, tinha de se entreter com alguma coisa e resistir. Não podia ser assim, os seus olhos ainda lhe respondiam muito magoados.
- Ah... Então tens de ir a Espinho todos os fins-de-semana... - lançou de repente, à espera que lhe respondesse que tinha de ir ver alguma namorada.
- Oh, sim... O meu pai não gosta muito da ideia de estar longe. - ele tinha percebido. Mas isso denotava que ainda tinha interesse...
Ela não podia fingir que não tinha gostado da ideia, mesmo que ele pudesse estar a omitir alguma aventura, mas naquele momento só lhe apetecia sair para a chuva e encharcar-se a sério. O temporal estava cada vez mais intenso, como se partilhasse aquela revolta confusa de um encontro inesperado e ele tão confiante. Ainda por cima ele não tinha mudado nada, tinha a mesma cara redondinha e o sorriso sedutor. Parecia que ainda ontem tinha almoçado em casa dele, a lasanha que ele tinha preparado, sem descuidar do cabelo com gel, as faces miúdas sem marcas de barba, e a roupa que lhe ficava melhor, a t-shirt que ela lhe tinha dado nos anos e as jardineiras que lhe davam ainda mais ar de garoto. Agora estava de camisa da empresa e calças finas, mas mesmo assim parecia muito novo para aquele fato... E isso só o tornava mais atraente.
- Tenho aula agora... - disse, depois de ficar quase um minuto a olhar para as janelas (não o podia olhar fixamente, ele ganhava-a se o fizesse), ele perdido no medo de que o rosto dela falava. Ela parecia mais velha e mais cansada, sem vontade de lhe dizer que sim, que tinha saudades, como ele tanto queria ouvir. Ela sempre fora tão frágil e transparente, e agora parecia ter tomado as rédeas de si. (Mal ele sabia que ela era um espírito cada vez mais inquieto.)
- Podias passar cá quando saísses... pequenina. - tentou, falando devagarinho, como ela gostava... o sotaque mais forte a cada sílaba.
Corou... Ao sotaque não resistia...
- Sim... talvez. - saiu para a rua, sem o cumprimentar. Dois beijinhos? Nunca o tinham praticado, meras formalidades. Eles eram mais que isso. No olhar ficou tudo. Saiu, e sorriu-lhe de olhos brilhantes. Ele devolveu-lhe a emoção com o gerente a gritar o seu nome.
"(...)
And so Louise
Waved from the bus
And as she left
She gave that smile
As if they were still lovers
It's not always true that time heals all wounds
There are wounds that you don't wanna heal
The memories of something really good
Something truly real, that you never found again (...)"
Louise, Robbie Williams
As nuvens continuavam a chicotear de lágrimas as costas e a esborratar a pintura dos olhos. Entrou de repente para uma loja, não aguentava mais, de qualquer maneira já ia a meio da aula e não lhe apeteciam monólogos com antipatia e desprezo. Enfiou os dedos por entre os nós do cabelo para não parecer tão de outro mundo. Fazia caretas enquanto as mãos desafiavam as ondas teimosas. Desistiu. Cirandou pela loja como se lhe interessasse mesmo alguma coisa. Era de informática. Bonito serviço. Os computadores não se experimentam, não são roupas, não tinha nada que fazer ali... (E que pensamento tão idiota.)
- Posso ajudar? - um sotaque diferente e uma voz quente arrepiou-a e estremeceu as costas enchardas. Virou-se. Não podia ser...
- Pilhas... Está a chover e... precisava... - de olhos baixos, meteu atabalhoadamente as mãos nos bolsos. Será que ele a reconhecia? Não tinha passado assim tanto tempo, mas...
- És mesmo tu! Mas não te queria telefonar, tinha medo que não acreditasses e ficasses chateada... - respondeu-lhe um sorriso louco e familiar, abraçando-lhe os ombros molhados e os braços inertes de choque. Era mesmo ela, despenteadíssima como sempre, mas com aquele olhar perdido que o tinha apaixonado.
- Mas, que fazes aqui? - perguntou para o pescoço deitado no seu ombro direito.
Levantou a cabeça e muito depressa contou que tinha escolhido fazer um estágio em Lisboa, era mais uma daquelas decisões loucas que gostava de tomar.
- Tu nunca gostaste da cidade!! - exclamou, incrédula de coração a bombear de nervos. Queria fugir. Estava chateada sim, depois de tanto tempo sem falarem resolveu trabalhar a passos da sua faculdade!
- Oh, a verdade é que acabei o curso com uma média baixa e só arranjei qualquer coisa aqui... Esta loja está a abrir agora, e precisavam de pessoal. - admitiu, desarrumando umas caixas de impressoras. Estava envergonhado com a confissão, afinal ela sempre fizera tudo bem, era a sua heroína das mil histórias e tantas coisas de que sabia falar. E queria tanto beijá-la, tinha de se entreter com alguma coisa e resistir. Não podia ser assim, os seus olhos ainda lhe respondiam muito magoados.
- Ah... Então tens de ir a Espinho todos os fins-de-semana... - lançou de repente, à espera que lhe respondesse que tinha de ir ver alguma namorada.
- Oh, sim... O meu pai não gosta muito da ideia de estar longe. - ele tinha percebido. Mas isso denotava que ainda tinha interesse...
Ela não podia fingir que não tinha gostado da ideia, mesmo que ele pudesse estar a omitir alguma aventura, mas naquele momento só lhe apetecia sair para a chuva e encharcar-se a sério. O temporal estava cada vez mais intenso, como se partilhasse aquela revolta confusa de um encontro inesperado e ele tão confiante. Ainda por cima ele não tinha mudado nada, tinha a mesma cara redondinha e o sorriso sedutor. Parecia que ainda ontem tinha almoçado em casa dele, a lasanha que ele tinha preparado, sem descuidar do cabelo com gel, as faces miúdas sem marcas de barba, e a roupa que lhe ficava melhor, a t-shirt que ela lhe tinha dado nos anos e as jardineiras que lhe davam ainda mais ar de garoto. Agora estava de camisa da empresa e calças finas, mas mesmo assim parecia muito novo para aquele fato... E isso só o tornava mais atraente.
- Tenho aula agora... - disse, depois de ficar quase um minuto a olhar para as janelas (não o podia olhar fixamente, ele ganhava-a se o fizesse), ele perdido no medo de que o rosto dela falava. Ela parecia mais velha e mais cansada, sem vontade de lhe dizer que sim, que tinha saudades, como ele tanto queria ouvir. Ela sempre fora tão frágil e transparente, e agora parecia ter tomado as rédeas de si. (Mal ele sabia que ela era um espírito cada vez mais inquieto.)
- Podias passar cá quando saísses... pequenina. - tentou, falando devagarinho, como ela gostava... o sotaque mais forte a cada sílaba.
Corou... Ao sotaque não resistia...
- Sim... talvez. - saiu para a rua, sem o cumprimentar. Dois beijinhos? Nunca o tinham praticado, meras formalidades. Eles eram mais que isso. No olhar ficou tudo. Saiu, e sorriu-lhe de olhos brilhantes. Ele devolveu-lhe a emoção com o gerente a gritar o seu nome.
"(...)
And so Louise
Waved from the bus
And as she left
She gave that smile
As if they were still lovers
It's not always true that time heals all wounds
There are wounds that you don't wanna heal
The memories of something really good
Something truly real, that you never found again (...)"
Louise, Robbie Williams
Comentários
Escreves coisas tão fofas, madrinha =')
bjs***
ADOREI!! Senti-me a viver esta história, vá-se lá saber porquê =P
Lindo como sempre, madrinha***