Quando a cortina cai
D.Sebastião, Rei de Portugal
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria?
Mensagem, Fernando Pessoa
Nada fica nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irresponsável treva que nos pese
Da húmida terra imposta
Cadáveres adiados que procriam
Leis feitas, estátuas visitas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carne
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.
Ricardo Reis
Balanço entre a serenidade epicurista e a sofreguidão de sorver cada minuto como o clímax de mim, entre a afasia estóica e o pathos que rebenta a cada acto da minha peça. Pensei que não precisava de máscara, e caí mesmo a meio do palco. Mercador de Veneza transformou-se no Auto da Barca do Inferno. Corro aos tropeços para os bastidores, entre as gargalhadas do elenco e do público. Beijos e lágrimas aplaudidas, talvez todos esperassem que eu acabasse por cair como o rouxinol, no canto mais perfeito, na pirueta mais graciosa, na expressão mais estudada, no olhar mais sincero. Assim morrem os artistas. Num passo em falso, num desmaio em cena, uma fraqueza. E a minha queda ressoou pela ampla sala de teatro. Já no camarim, contemplo-me no espelho brilhante do estocador, despenteada, a maquilhagem esborratada pelas lágrimas, os collants cheios de malhas, o tule sujo de pó. Fecho a porta à chave, respiro fundo. Bato muito rápido com os pés como quando estou enervada, e dou um grito abafado. Limpo as lágrimas, e canto para não ouvir o frenesim do palco. Não me importo. Sei que é só esta noite. Na próxima peça, serei apenas um conto contando nada, um fantasma de outras galas, de outros bailes, de outros aplausos.
E louca fui, porque quis grandeza... Mas nunca serei um cadáver adiado.
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria?
Mensagem, Fernando Pessoa
Nada fica nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irresponsável treva que nos pese
Da húmida terra imposta
Cadáveres adiados que procriam
Leis feitas, estátuas visitas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carne
A que um íntimo sol dá sangue, temos
Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada.
Ricardo Reis
Balanço entre a serenidade epicurista e a sofreguidão de sorver cada minuto como o clímax de mim, entre a afasia estóica e o pathos que rebenta a cada acto da minha peça. Pensei que não precisava de máscara, e caí mesmo a meio do palco. Mercador de Veneza transformou-se no Auto da Barca do Inferno. Corro aos tropeços para os bastidores, entre as gargalhadas do elenco e do público. Beijos e lágrimas aplaudidas, talvez todos esperassem que eu acabasse por cair como o rouxinol, no canto mais perfeito, na pirueta mais graciosa, na expressão mais estudada, no olhar mais sincero. Assim morrem os artistas. Num passo em falso, num desmaio em cena, uma fraqueza. E a minha queda ressoou pela ampla sala de teatro. Já no camarim, contemplo-me no espelho brilhante do estocador, despenteada, a maquilhagem esborratada pelas lágrimas, os collants cheios de malhas, o tule sujo de pó. Fecho a porta à chave, respiro fundo. Bato muito rápido com os pés como quando estou enervada, e dou um grito abafado. Limpo as lágrimas, e canto para não ouvir o frenesim do palco. Não me importo. Sei que é só esta noite. Na próxima peça, serei apenas um conto contando nada, um fantasma de outras galas, de outros bailes, de outros aplausos.
E louca fui, porque quis grandeza... Mas nunca serei um cadáver adiado.
Comentários
;)
e assim te tornas...pessoa.
*
dá mais tempo para respirar.