O sorriso (não um qualquer)

E o sorriso dela era tão grande e tão alto que se via mesmo dali, do outro lado da montanha. O sorriso dela era como música para os ouvidos de alguém. Descendo pelas ruas escuras de Lisboa era o sorriso dela que eu via nos acordes de uma guitarra perdida.
O sorriso dava a volta ao cinzento dos dias e coloria as minhas palavras. Os pés ecoavam no soalho e o sorriso dela na minha cabeça. Ao fundo a guitarra entrelaçada nas minhas tranças e no sorriso que se fundia na noite. Era apenas um sorriso que me ia esmagando, deixando tonta e perplexa. Porque tinham-me dito que era proibido sair à rua e sorrir assim. Que os tempos eram outros. Mas o sorriso transformava-se agora numa gargalhada, impossível de conter, enquanto os pés continuavam a martelar o chão e a música ia deixando de se ouvir.
Era esse o sorriso dela, o meu sorriso, feito de coisas de que só os sorrisos são feitos. Do tudo e do nada, do muito e do pouco, da alegria e da tristeza. Dos opostos que se vão atraindo, das bocas que se vão juntando. Dos mundos de outros que vamos tocando. O sorriso, que rompia os mistérios e deixava as próprias palavras sem saber o que dizer. Sonhos e poesia transformados assim, num sorriso maior que o mundo. Porquê? Ela, eu, ninguém sabe. Mas sabe mesmo bem sorrir assim.

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