Para alguém que sabe quem é......

Preciso escrever-te uma carta
Sem palavras esdrúxulas
Ou outras que me comprometam,
Preciso dizer que te amo,
Mas que este amor é impossível,
Como se o mar fosse céu
E o céu metamorfose em Terra,
E já sei o que me responderias,
Se por mero acaso,
Ou coincidência premeditada,
Eu estivesse aí contigo,
Na tua (in)sensata razão
Dirias que nada é impossível:
Que o amor é um milagre,
Em qualquer lugar do tempo,
Em qualquer rumor da vida,
Beijar-me-ias as pálpebras,
Os olhos devagar,
E ternamente dirias,
Impossível é voltar depois de morrer
Impossível é tentar viver
Quando o não-viver nos persegue
E amo-te mais ainda quando me olhas,
Mas a multidão abafa-nos
Com os seus olhos podres
Perseguem-nos
Quando aos abutres lhes dá o cheiro
Cheiro de felicidade
Que nos completa
Quando me beijas e me tocas com o teu fogo,
Fogo que é luz , fogo que ilumina
Luz que me queima
E suspiro profundamente
E peço-te – fica comigo
Só um minuto
Na vida inteira
Entrego-me a ti
Nesse minuto de horas em que nos amamos
Mas o nosso amor é impossível,
E amanhã será cinza
A fusão que os corpos ontem tiveram
Não tenhas medo,
Toca-me ainda,
Para que as tuas mãos fiquem gravadas no meu corpo
Quando outros homens por mim passarem,
Amar-te-ei quando amar cada um deles,
Estarei contigo em cada grito e riso da nossa vida,
Procurarei neles o teu ser jovial,
O teu olhar que é candeia acesa em mim
Mas o nosso amor é impossível,
Talvez eu tenha medo de te amar
De te amar tanto que já não te possa perder
De ter tantas maleitas de amor
Que me apeteça enfrentar o mundo por ti,
Então entrego-te o meu corpo hoje,
A minha alma empresto-te,
Como o livro que vais devolver amanhã,
Antes que amanheça,
Esgoto-me em ti,
Até o primeiro raio de sol,
Amanhã não seremos nada,
A alma que me devolverás,
Divagará à sorte,
Já não é minha,
Mas também não pode ser tua,
Desculpa mas o nosso amor é impossível.
A não ser que amanhã a brisa mude
E sem dar conta esteja aí ...junto a ti

Comentários

Daniel Cardoso disse…
O sujeito poético neste caso oscila entre um amor impossível e a vontade de realizar esse mesmo amor. É um amor que é possível para o presente, mas que por alguma razão (quem sabe, a inconstância do próprio sujeito poético) se torna impossível para o futuro. Porém, sendo no presente que se encontra, e vivendo num agora que parece sempre fugir para o amanhã impossível, acaba por querer entregar o corpo. Ao mesmo tempo, faz um "empréstimo" da alma, uma doação de uma parte da sua essência que será transfigurada pela partilha dos corpos dentro do amor presente. Essa transfiguração permitirá ao sujeito poético prolongar idefinidamente a relação amorosa com este sujeito amado pela sua projecção em quaisquer outros amantes. Portanto o amor impossível acaba por ser possível.

Um poema interessante, complexo, cheio da qualidade a que já nos habituaste. Obrigado e por favor continua!

Prometeu
Fátima disse…
Instável, inseguro... assim é o eu desta composição poética. prefere entregar-se num minuto à pessoa amada que conformar-se que o amor que os une e simultaneamente os separa devido a óbvias divergências e contrariedades, sem ter vivido, sem ter sentido, sem guardar em si um pouco do corpo e da alma do objecto desejado...
No entanto, o eu do poema mantém uma réstia de esperança quanto ao seu amor, tentando agarrar-se aos pequenos sinais que lhe dizem que poderá realizar os seus sentimentos, ao mesmo tempo que quase nega entregar-se por completo a esse amor, temendo sofrer.
No fundo, procura realizar os seus sentimentos, nem que seja só por um momento, porque tem consciência da dificuldade do seu viver...

Parabéns! Continua, minha ninfinha...
Sara Leal disse…
As duas esferas que se correlacionam num pequeno ponto de convergência anseiam por se intercruzar. O que evita que tal aconteça, isto é, uma inércia no que respeita ao modus vivendi. O medo que atravessa essa mesma inércia perturbadora deve-se ao carácter vago e inovador da possível situação, encarando-a como um buraco escuro. E o ser humano carrega consigo uma capacidade de adaptação tão assustadora que intrínsecamente evita a mudança brusca, ou pelo menos considera assim a mudança aqui tratada.
Mas tudo vale a pena. Os erros nem sempre o são, a consciência plena só se adquire nas situações-limite que se apresentam. Nunca se perde tudo. Nada normal é suficientemente estimulante para ser tornar feliz. Dar um passo em frente.
(Se era suposto fazer uma análise típica peço desculpa,mas a análise é apenas uma fase do método(e nem sempre conclusiva), a teorização é outra, apesar de derivar de palavras previsíveis, o que sempre questionável.)
Beijos *