Espera...

Estou à espera de mim,
Num lugar que já não sou
Onde as letras angustiadas
Estáticas, imóveis na folha,
Personificam uma dor que já não é minha
Num filtro onde despejo a raiva no papel
Hoje odeio-me
Ou talvez simplesmente tenha vontade
De ser outrém que não eu
Gostava de parar o tempo
Amassá-lo, retorcê-lo
Voltar atrás, saltar para a frente
Prólogo de mim mesma
Onde nada se iniciou,
O medo assalta-me
Rouba-me a lucidez
Quero fugir
Queria tanto fugir
Mas as pernas fraquejam quando tento correr
Os pés colam-se às lágriams do passeio
Tenho tanto para dizer
Como se nas jorradas de palavras
Me desculpasse a mim mesma,
Um frio gélido percorre o corpo
Alastra-se num arrepio
A cabeça a abarrotar de culpas
Culpas que eu esfarrapo em desculpas
Imperfeição porque a culpa existe
Dos actos que cometi sem/com intenção
Afasto-me num pulo
Dou dois passos para trás
Anseio pintar a parede de branco
Onde inscrevi também letras de fúria
Nas entrelinhas todos me lêm a mim
Fingindo-me ridiculamente forte
Proferindo disconexas frases
Cujo único sentido é a falta de razão
Razão perdida em mim...
Estou À espera de mim...
Encontrar-me-ei??
A que horas estarei eu
No ponto de encontro de mim?
Para me encontrar comigo mesma?
Estará atrasada a minha alma?
Estou à espera...

Comentários

Fátima disse…
As nossas almas estão atrasadas uma vida inteira. Nunca as conhecemos verdadeiramente. Às vezes pensamos que as conhecemos, e os outros pensam que a conhecem também, mas tudo não passa de uma ilusão. a nossa alma está fechada num cofre cujas chaves são difíceis de obter. às vezes pensamos que as temos, que abrimos o cofre, mas acabamos por apenas ver um bocadinho do tesouro que é toda a nossa vida, os sentimentos que fazem de nós o que somos, mas não conseguimos contemplar todo o seu brilho. porque afinal, o melhor na vida é saber que ainda temos muito para conhecer e aprender, até a nossa própria alma.
Daniel Cardoso disse…
É tão mau quando a culpa nos persegue. É horrível quando sentimos em nós o peso de todas as coisas que fizemos e que queríamos não ter feito. A dor de sofrer por ter feito sofrer, a inconstância de mostrarmos uma fortitude que não temos, de apresentarmos as nossas máscaras ao mundo e de depois, por dentro, nos começarmos a desagregar pouco a pouco, como se estivéssemos a fundir-nos com as máscaras, perdendo a nossa própria identidade, perdendo a nossa vida interior. Perdendo também as referências temporais, as referências do mundo, desligando-nos dele, até conseguirmos sair dessa angústia.

Se conseguirmos.

Prometeu