Depois de amanhã

Chega uma angústia que prende e cansa e esgota. Silencia-te a boca e morre-te o olhar. Arrastas os pés mais um pouco, sobes as escadas e chegas ao comboio. Deixas-te levar mais uma vez. E amanhã também. Mas quantas vezes mais? Depois de amanhã não estarás de volta, não sejas gulosa que isso é feio. Quem te mandou ter mais olhos que barriga? Cada um é para o que nasce, já dizia a minha avó. Mas às vezes, quando cresces, o teu dia já vai lá longe e não te consegues lembrar porque nasceste. A professora de Português expunha os teus textos no quadro de cortiça na primária, no ciclo lias de faces escarlates as tuas dissertações. Pequena criança prodígio. Tu nunca acreditaste, mas eles insistiram. Tens vontade de os procurar, perguntar-lhes onde foi que te perdeste. Talvez eles te possam apontar outro caminho. Precisas de um recomeço. Pára, respira. Dorme. Amanhã o comboio parte novamente.

Comentários