A flor
Era uma flor solitária no meio da cidade grotesca de imagens enlameadas e a carvão. Que brotava do ruído de automóveis e de florestas de prédios enegrecidos, ou pela erosão do tempo ou pela incansável ditadura poluente. A flor singela na sua beleza delicada emaranhada no reino da beleza imponente da arquitectura e dos arbustos dos parques da cidade. Branca, de um branco que me lembrava flocos de neve, roupa acabada de lavar, pureza, verdade. Luz de esperanças. A emanar milhares de watts de energia. Aquela flor perdida, do mundo perdido das aldeias da infância, dos jardins da imaginação, das paisagens. Das narinas a inspirarem ar fresco e salutar de árvores que pareciam falar de séculos e séculos de história. Que ali permaneciam, com seus cascos escritos pelos amantes. X ama Y. Tantos dos X já mortos ou separados. Contudo na casca da árvores nada mudou. Até ao dia em que a técnica fáustica se apoderou deles com suas serras. E cortou os cascos das árvores dos tempos de reis e duques. Restam as árvores doentes no centro da cidade. De folhas que se desprendem da árvores como lágrimas. Resta a simples flor. O caule fino, elegante. Linda e triste. Na sua beleza solitária e, por isso, arrogante. E restam ainda os olhos cravados na flor, os olhos de quem passa e assiste a este pequeno momento de (des)harmonia na cidade de prédios encaixados e direitinhos com dezenas de andares. Olhos que carregam a flor solitária no buraco dos seus corações, atravessados por setas de (des)esperança, setas flamejantes de dias iguais. De dias de guerras, sem canhões ou disparos. Guerras de paciência na cidade em que uma flor resiste. Em que cada um dos habitantes das pequenas janelinhas-gaiola (dos prédios da urbe) tenta curar as suas feridas e estancar a hemarrogia infindável do seu coração.
Comentários
Mas, ser livre e poder esvoaçar por cima dos lírios do campo é tão puro!
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