Asas de açúcar
Pesavam-me as palavras. Carregava-os comigo num saco enorme, daqueles que nenhuma balança conseguirá jamais pesar. E é isto o ser humano. Um enorme saco de medos e frustrações a passarem do prazo de validade. A vida parece tantas vezes estar prestes a expirar o seu prazo de validade. Quando as lágrimas escorrem e molham a almofada, quando a vida sabe a iogurte estragado e os medos a cerveja morta. Vou virar-me para o balcão e pedir uma imperial. Eu não quero cervejas mortas. No meu palco de luzes fluorescentes e néon, onde todas os dias faço o papel de mim mesma para os outros. Assim me pesam as palavras. No constante monólogo representado incessantemente. Um bando de bonecos assiste nas plateias. Pinóquios que ainda não são meninos de verdade. E eu que pouco sei do mundo ou de mim mistifico-me e represento-me. Em troca o vão beijo na bochecha. Gente em diferentes tipos de sapatos a fazer barulho no asfalto: ténis, saltos altos, chinelos a passar num ritmo alucinante e dissonante. De muitos deles ficou-me apenas a memória do som dos passos, da rapidez vertiginosa em que se esfumaram da assistência da minha peça. E eu não sou mais que uma boneca de corda. Irão esquecer-se de me dar corda um dia? O espectáculo deve continuar. A Terra a girar como sempre girou. Eu a ser eu. Mesmo que para os outros não passe de uma bonita boneca de corda que só outros bonecos de corda como eu conhecem. A eterna amiga do Pierrot e do trapezista. Vamos voar. Assim de repente. Só porque sim. Mesmo que as asas ameacem derreter porque são feitas de açúcar. Açúcar. Que não passe do prazo. Que me faça deixar de ser uma boneca de corda. E neste voo de altitude incerta a noite percorre-me em arrepio. Apagam-se as luzes e são horas de dormir. Só que eu não paro de voar. Boneca de corda. Mas não pinóquio neste mundo de mentira.
Comentários
and ninfa returns and fills letras with sugar.
"coz girls have sugar and spice, and everything nice".
fui eu q dei a luz do texto..a luz neon =)