"Eu tenho ideias para romances e ela tem ideias para a vida...
... e eu já não sei o que é mais importante".
José era o poeta, o escritor, a alma de sonhos, de ideias, de vida a transbordar pelas mãos. Pilar era a alma forte, o calor e o abraço de quem nasceu para cuidar, e esperar, cada regresso a casa de José. Mas José não era homem que partisse sem hora de regresso - uma vez subiu à Montanha Blanca, tinha 70 anos, pensou "se caio daqui me mato, não escrevo mais livros". Nada tinha dito a Pilar. Quando chegou, ouviu, ouviu, as palavras magoadas, de quem ama mais, demais. Mas isso foi só uma vez. No amor de José e Pilar não existiam silêncios ou palavras caladas. O amor de José e Pilar era um no outro como um só, no pequeno-almoço, nas apresentações e na correspondência dos correios. "Como é que era mesmo Pilar?", "José, estás a falar português", "Oh, às vezes acontece-me". O amor de José e Pilar era a agenda de José que Pilar planeava e decorava, deixando José entregue aos seus devaneios; eram as convicções fortes de cada um em discussões brandas à mesa ("Pilar, tu não sabes nada da Hillary Clinton, ela não te representa, não a ti"); eram as viagens à pequena aldeia natal de Pilar, em Navarra, ou à de José, a ribatejana Azinhaga; os almoços com os quinze irmãos de Pilar, cujos nomes José tanto se esforçara para lembrar; eram os projetos que tinham em separado mas que sempre se encontravam: quando Saramago dizia que ia terminar um livro naquele dia às quatro horas, Pilar sabia que ia terminar o seu horas antes, horas depois. É desta matéria que é feito o amor, é uma bolha invisível e uma linguagem em comum, estrangeira para todos os outros.
No amor de José e Pilar, com mais vinte anos de diferença ("A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar"), havia dias de acordar e medir a tensão, havia passagens de ano no hospital, mas também havia planos de viagens, festas de aniversário de 84 e 85 anos ("Pilar, já me sinto um sobrevivente"), um amor que é vida e que dá vida: "A Pilar não me deixou morrer". Nos olhos de José e Pilar, o amor não é sacrifício, não é obrigação, como nos gostam de vender os amargos, os livres-presos-a-si-mesmos, amor próprio megalómano e egoísta. O amor não é sacrifício quando é amor, quando o que faço por ti não é por compromisso mas porque quero, porque desejo, porque te quero bem.
José era o poeta, o escritor, a alma de sonhos, de ideias, de vida a transbordar pelas mãos. Pilar era a alma forte, o calor e o abraço de quem nasceu para cuidar, e esperar, cada regresso a casa de José. Mas José não era homem que partisse sem hora de regresso - uma vez subiu à Montanha Blanca, tinha 70 anos, pensou "se caio daqui me mato, não escrevo mais livros". Nada tinha dito a Pilar. Quando chegou, ouviu, ouviu, as palavras magoadas, de quem ama mais, demais. Mas isso foi só uma vez. No amor de José e Pilar não existiam silêncios ou palavras caladas. O amor de José e Pilar era um no outro como um só, no pequeno-almoço, nas apresentações e na correspondência dos correios. "Como é que era mesmo Pilar?", "José, estás a falar português", "Oh, às vezes acontece-me". O amor de José e Pilar era a agenda de José que Pilar planeava e decorava, deixando José entregue aos seus devaneios; eram as convicções fortes de cada um em discussões brandas à mesa ("Pilar, tu não sabes nada da Hillary Clinton, ela não te representa, não a ti"); eram as viagens à pequena aldeia natal de Pilar, em Navarra, ou à de José, a ribatejana Azinhaga; os almoços com os quinze irmãos de Pilar, cujos nomes José tanto se esforçara para lembrar; eram os projetos que tinham em separado mas que sempre se encontravam: quando Saramago dizia que ia terminar um livro naquele dia às quatro horas, Pilar sabia que ia terminar o seu horas antes, horas depois. É desta matéria que é feito o amor, é uma bolha invisível e uma linguagem em comum, estrangeira para todos os outros.
No amor de José e Pilar, com mais vinte anos de diferença ("A Pilar, que ainda não havia nascido, e tanto tardou a chegar"), havia dias de acordar e medir a tensão, havia passagens de ano no hospital, mas também havia planos de viagens, festas de aniversário de 84 e 85 anos ("Pilar, já me sinto um sobrevivente"), um amor que é vida e que dá vida: "A Pilar não me deixou morrer". Nos olhos de José e Pilar, o amor não é sacrifício, não é obrigação, como nos gostam de vender os amargos, os livres-presos-a-si-mesmos, amor próprio megalómano e egoísta. O amor não é sacrifício quando é amor, quando o que faço por ti não é por compromisso mas porque quero, porque desejo, porque te quero bem.
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