A minha avó

Todos nós temos histórias. Pergunto-me que histórias guardarão estes rostos envelhecidos pelo tempo, pelas lágrimas ou pelos sorrisos. Olho para a minha avó e imagino que histórias guardará de outras idades. Nunca soube quais foram os seus sonhos ou amores secretos. Quem seria antes de alguém a chamar simplesmente mãe ou avó. Agora a minha avó vive aqui, no meio deste jardim, numa casa de paredes brancas, com tantos outros rostos gastos pela vida. A minha avó olha-me mas não sei o que vê. A sua memória vai fugindo, umas vezes chora e outras ri. Olha-me com os olhos marejados de lágrimas e repete sem se cansar: «a minha neta, a minha querida neta». E quando pronuncio a minha avó, já não é a mesma palavra que pronuncio. Sinto pena misturada com amor. Pena que nunca tenhas sido uma verdadeira avó. Nunca me embalaste nos teus braços. Nunca me disseste que gostavas de mim. Eras sempre a outra, e não era pelo teu colo que chamava. Mas agora vejo os teus olhos cobertos de lágrimas e penso que te esqueceste. Ou talvez só agora te tenhas começado a lembrar. Dizes para eu ir devagar, desejas-me tudo o que uma avó pode desejar a uma neta. Gostava de gostar mais de ti, mas não sei se consigo. A palavra avó é demasiado pesada entre nós, uma noite infinita. Tantas coisas que ficaram por dizer na minha infância, enquanto fazias o jantar para a família e o avô, sentado à cabeceira da mesa, ria muito e eu tinha vontade de rir também. Porventura esqueceste-te, as memórias com teias de aranha e os teus olhos marejados de lágrimas. Gostava de te ter conhecido melhor. A palavra avó tem um travo amargo a ressentimento. A hora da visita acabou e prometo voltar. Olhas-me com ar suplicante e repetes: « a minha neta. A minha querida neta».

Comentários

Fátima disse…
Ha coisas que são mesmo assim,que não podemos contornar, mas ela será sempre a tua avo.
Alexx M. disse…
Tive duas avós. Ainda tenho uma. Muito diferentes, uma era a avó e a outra é a minha avó, minha segunda mãe. O que gostava de uma não pode nunca ser comparado ao amor que sinto pela outra. É a vida. Mas quando a primeira morreu, quando me deram a notícia, quando soube... morreu um bocadinho de mim. Porque apesar de tudo, era minha avó. Minha, uma parte de mim, uma parte da minha vida, uma parte do meu coração. Senti um grande vazio, ainda sinto. E dei-me conta do seguinte: eu gostava muito da minha avó, com todas as suas qualidades e seus defeitos.
Quanto à outra, cujo olhar de vez em quando foge e cuja memória às vezes não se encontra... continuo a amá-la muito, a dar-lhe muitos beijos e muitos abraços, sempre que posso, para que ela saiba que é amada e acarinhada. E ela diz-me com olhos muito brilhantes: A minha netinha, tu não sabes o quanto eu gosto de ti!". E os meus olhos marejam-se, ao pensar que o tempo já não está seguro e que cada dia deve ser aproveitado como se fosse o último, para ela e para mim.
Marta disse…
É por isso que quando a hora da visita acaba, apesar de tudo, custa sair pela porta e olhar para trás e vê-la ali sozinha...mas gostava de ter tido uma outra relação com ela...