Menina dos olhos-berlinde
Mexeu-se mais uma vez na cama. Voltas e mais voltas. Não conseguia dormir mais. Os olhos fechavam-se ainda, na esperança do entorpecimento e do posterior sono-pedra, profundo e regenerador. Nada disso aconteceu. Abriram-se as persianas e a luz de um sol ainda fraco encheu todo o quarto. A rapariga de olhos muito abertos fixava o tecto com medos a bailarem-lhe nos olhos-berlinde, medos-sombra. Os medos transformaram-se em lágrimas, dança da chuva no rosto. E a rapariga dos olhos-berlinde que queria voar sentou-se na cama e molhou os lençóis com as suas lágrimas. Não podia desistir, não agora. Agora que já tinha construído uma cabana, que teimosamente o vento ansiava derrubar. Agora que já tinha elaborado umas asas, embora ainda não a fizessem flutuar. Sentia-se um espelho, fragmentado em tantas partes, com bocadinhos espetados no coração. Frustrada e sem ninguém a quem mostrar a sua face-chuva, a sua face-inverno. Os soluços enchiam toda a divisão e o medo alastrava aos ossos, a menina tremia. Tentou trautear uma canção baixinho e sorriu um pouco por entre os soluços. O estômago comprimido de fome e nervoso miudinho dava lugar a uma sensação nova que a invadia. Ela era capaz. Ela podia voar. Mesmo que que 99,9% das probabilidades dessem o seu vôo como falhadao. Restava ainda 0,1% de esperança. Esse 0,1% misturado com chá de fé. Ninguém nos pode dizer que não somos capazes. Nada pode parar um sonho.
Comentários
it really is tea time!
=*