Agora

"Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já não o tenho. Pesa-me como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje - tantas vezes e em tanto o contrário do que eu desejara - que posso presumir da minha vida amanhã, senão o que será o que não quero, o que me acontece de fora, até através da minha vontade? Não tenho nada do meu passado que me relembre como desejo inútil de o repetir. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas. O que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto."

Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego



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Sou exactamente o que a imprevisibilidade previsível da vida fez de mim. Sou o que o sobrolho franzido, os olhos abertos e os punhos cerrados me ensinaram. Sou as lágrimas engolidas e a voz forte, sou o liliputeano que cresceu Gulliver, que pisou os gigantes do passado e olha de cima para o presente. Sou a mesma, mas não sou sempre a mesma, como alguém disse um dia. Sou os sonhos encavalitados uns nos outros, rosto cinzento esborratado a arco-íris, derrotas como autocolantes com vitórias coladas por cima que escondem e ignoram o fogo daquela lágrima, como o bilhete do passe de cores brilhantes que tapa cores velhas, lances e lances de escadas subidas por outras que ficaram a meio. Sou o escudo da luz ofuscante do meio-dia, sou o fim de tarde amarelo-alaranjado, indeciso, indefinido do pôr-do-sol, sou a ténue e confusa linha do horizonte. Sou a careta perdida numa fotografia de cores gastas de um albúm poeirento, sou o sorriso tímido mas curioso e a mecha de cabelo com que brinco enquanto escrevo, sou riso único quando invento aquela piada seca, a gargalhada estridente que ecoa ao fundo do túnel como uma quimera ou um filme que vi e confundi entre o que (vi)vi, sou o rosto seco da torrente dos meus olhos lavado pela chuva que me eleva e o olhar iluminado pelo relâmpago de mim, sou as fotografias que ainda não tirei, sou o som das teclas e o silêncio entre cada palavra, sou o suspirar, o empurrar (o passado para longe), sou o inspirar de golfadas refrescantes da pastilha de mentol, sou o girar louco e assustador da montanha russa. Sou a lenga-lenga sou capaz sou capaz sou capaz sou capaz.

Sou verbo saltar e sonhar. Não sou verbo esperar.

Comentários

AR disse…
Gostei dos pronomes!! é precisamente assim que me sinto: Indefinida.
e Só sei indefinir o que sou e o que me rodeia...esse é o meu verbo preferido.
:)

O teu verbo é brilhar!
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beijinho com muita força para este estudo agonizante!
Fátima disse…
Eu sinto-me a assistir amorfe a um filme de mim, também ele monótono e indefinido! E vejo correr o passado misturado no presente, porque às vezes parecem o mesmo!

Elici, a palavra é mesmo essa, pronome indefinido!!!

AR, a indefinição não tem fim definido, mas o estudo sim! =)
Alexx M. disse…
Excelente! Amei, linda!
Deixa-me só acrescentar:

És música, és silêncio, és alegria, és tristeza, és acçção, és obrigada a ser passividade, és impaciência, és espera, és ar, és água, és terra, és fogo, és luz, és vida... És TU!

E não há nda mais importante do que sermos nós :)
Fátima disse…
=O agora ia caindo da cadeira...
Marta disse…
Não és esperar ísis. De forma alguma. Ès simplesmente. Essa torrente de emoções que as tuas palavras descrevem. As tusa palavras que fazem saltar horizontes, que fazem ter vontade de ser mais e pontapear o amorfismo. Essa vontade de abrir a janela e efectivamente voar.Sem redes. Sem protecções. Lindo!
Fátima disse…
"Anorexia emocional"... =) Gostei muito, Elici!

Ninfa, eu gosto de trampolins! =D

Odnilro, as nossas terras são cantinho de paraíso...e ainda bem que nem toda a gente as coonhece, para não as invadirem...=)

Joana, não vou deixar de aproveitar cada segundo da minha vida, mesmo que às vezes sinta a "anoxeria emocional"!

=D um sorriso pra todos.