Para que lado é o sonho?

Às vezes penso no que ela diria de mim, se me visse agora (ou se me estiver a ver). Será que ia dizer que não lutei o suficiente, que deixei que o peso do mundo me asfixiasse, ou que iria ler nos meus olhos a desilusão de quem se perdeu no caminho para o sonho? Será que ela ainda acreditaria em mim, quando já nem eu acredito? Não foi só o meu sonho que se perdeu, mas o dela também. Ela a quem lia as minhas histórias em voz alta, quando ainda não sabia ler. E ainda aprendeu. Com 60 anos, foi a melhor da turma. Aprendeu a ler e a escrever com os meus cadernos da primária, a minha letra feia, torta e trapalhona de quem quis aprender a dança da escrita da noite para o dia. Lia as minhas composições devagarinho, lutadora. E nós emocionados, felizes, a avó aprendeu a ler.
E eu agora, a chegar aos 30, presa a uma crise financeira que (ainda) não me deixou ser quem sou (será só culpa da crise?), mostrar tudo o que posso ser, fazer-me ouvir, levar as minhas palavras e o meu nome, pelo mundo. Ontem uma das tuas netinhas terminou o mestrado, vó. O meu pai perguntou-lhe 'não chega já de estudos?', 'para já sim, disse ela'. Mas riu-se: 'ainda sou capaz de pôr mais uma moedinha, dar outra uma volta...'.
Tudo é tão pouco comparado ao que tu fizeste, o exemplo que nos deixaste. Desculpa vó, se eu não souber ser quem te prometi. Prometo, sim, que não deixarei de tentar.

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