Pai

O meu pai é o meu Rei Leão. Vimos o filme juntos no eterno sofá castanho lá de casa, e quando o Mufasa é morto por uma desenfreada manada de antílopes, começa a música dramática e o Simba chama pelo pai, eu agarrei o meu a chorar e pedi-lhe: Pai, não quero que tu morras! Ele abraçou-me e riu-se, sem responder ao meu apelo. Sempre foi reservado nas emoções, parco em palavras, aquele tipo de homem simples que não procura conversas com demasiados sentimentos. Mas nunca me fez sentir deslocada ou como se não gostasse de mim: na aldeia, quando eu ainda não conhecia ninguém da minha idade, levava-me para as capeias e ficava lá sentado comigo toda a tarde, mesmo que preferisse estar com os amigos. Preocupou-se quando eu entrei num curso de humanidades em vez de informática como ele gostaria, mas recebi a notícia no aniversário dele, e nada nunca o fez tão feliz como nesse dia. Quando emagreci 14 kg e ainda achava que era pouco, veio falar comigo, triste como tudo, pediu-me em toda a simplicidade que parasse. E fica sempre triste quando corto o cabelo, porque com o cabelo comprido lembro-lhe a minha mãe quando era nova. Na sua timidez, confessa o seu orgulho nas minhas conquistas à minha mãe, mas não me ressinto por isso (também não me diz directamente quando se chateia comigo). O meu pai é a minha imagem de perseverança, como o Mufasa para o Simba, quando penso nele, lembro-me de quem sou. Não quis estudar, mas é empresário em nome próprio há mais de 30 anos. Não lê jornais, é mais honesto e conhecedor que qualquer outro comentador político. Ele soube o que era a miséria, após a mãe falecer quando ele tinha 5 anos, passou pela guerra colonial, teve dois empregos para comprar uma casa que ainda tem, e construiu mais duas. Após 10 anos sem conseguir, ele e a minha mãe não desistiram de me ter, e entretanto o meu pai abria uma das mais conhecidas e concorridas oficinas no Estoril. O meu pai é o meu Rei Leão, aquele que me lembra a minha força quando esta me falta. Quando sorri, tem o sorriso mais lindo do mundo, porque sorri mesmo com os olhos. Dizem que tenho o sorriso dele. Espero que sim. Tenho receio que nunca estar à sua altura, de conquistar coisas e criar uma fonte de subsistência para os meus filhos, como ele. Tenho medo de ter sonhado demais em ser escritora, sem ter o talento necessário, em vez de estudar para ser advogada, informática ou gestora. Queria que ficasse orgulhoso de mim. Mas como pode ele olhar para mim, ao lado de tudo o que ele fez e faz? Gostava de te perguntar, pai, se acreditas em mim, como eu acredito em ti. Um dia, talvez, se calhar, se conseguir, hoje.
PS: Escrevi este texto há uma semana. Há dois dias, numa longa conversa no sofá, o meu pai disse que tinha muito orgulho nas suas filhas.

Comentários

VITORIO NANI disse…
Bonita comparação de seu pai com o Rei Leão. Acho que nem todos são reis, mas certamente todos são leões, como meu pai. Abraços.
Fátima disse…
Obrigada, Olg Eagle. Vou ler o seu texto.
Anónimo disse…
sei o que sentes, também tenho um exemplar do rei leão silencioso em casa... adorei o teu texto... NINI