Cartas ao meu tio - VIII

Passou um ano, querido tio. Passou um ano agora, do malogrado 8 de agosto de 2015, esse sábado quente de agosto em que acordei para celebrar contigo e o resto da família o regresso da tia Betty, que acabava de chegar de França, quando o telemóvel tocou e destruiu os planos todos, era a maldita chamada que me anunciava que não, aquele Verão não seria de reencontros, mergulhos felizes no mar, brindes intermináveis nas festas de Aldeia Velha, não, aquele Verão seria de tristeza, saudade, olhos perdidos e roupas pretas numa aldeia em festa, onde nós éramos a única família que não ria, não brindava - faltava um braço de copo ao alto, um copo cheio de risos e vinho fresco, o teu.
Passou um ano e faltam-me as palavras. Encontrei-me num texto de alguém que, como eu, se encontra nos braços dos tios, dos primos, à mesa com a família. Alguém que, como eu, perde o chão quando desaparece um dos seus. "Eu achava que a vida trazia GPS incorporado mas não traz. E quando desaparece, assim, uma referência que sempre lá esteve, eu perco-me e dificilmente me volto a achar, até posso voltar ao caminho mas o caminho nunca mais é o mesmo e fico perdida de qualquer maneira. Morrem-me pessoas e eu morro sempre um bocadinho com elas, as pessoas para quem eu sou a Liana, a miúda, as pessoas para quem eu posso ser só eu. A vida não tem satélites que ajudem a recalcular o percurso mais rápido, mais fácil, onde se pagam menos portagens ou onde cheguemos mais rápido ao nosso destino. A vida não tem sequer mapas ou bússolas e às vezes temos que nos resignar a prosseguir pelos caminhos confiando na fé e nas estrelas. Talvez seja por isso que acredito naquilo que disse à Ana: "O tio foi para o céu e mora agora numa estrelinha". Que a sua estrela, como a do meu avô e da minha avó, me guie sempre que me perca já que tenho a certeza que a vida não vem com GPS incorporado." (Da Pólo Norte, no seu Quadripolaridades)

Saudades, meu tio. Tantas saudades, para sempre.

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