As ruas da minh'aldeia
Percorro as ruas de calçada da minha aldeia, sentindo a cada passo a energia de cada beco, quelhe ou travessa, as histórias que os caminhos guardam, beijos roubados, garotos nas suas correrias, velhotes curvados a conduzir carroças, mulheres de xaile na cabeça e vestidas de preto, encerros e bailes pela madrugada adentro. Nós vamos partindo e outros pés percorrerão a nossa calçada, que testemunha em silêncio o ir e vir das gerações de Aldeia Velha.
Dou volta à aldeia e vou encontrando alguém que se queixa dos joelhos ou da saudade - longe vai o tempo em que tinha de ziguezaguear entre burros, vacas e carroças para passar pelas largas ruas da minha aldeia. Chego à porta da eterna casa da avó, apesar de ser agora do Tio Gustavo. Entro pelo curral vazio, percorro o chão empedrado e lembro-me de quando era de terra e estava coberto de palha, quando as galinhas se passeavam livremente e todo o curral era um gigantesco ninho de ovos. A loje dos animais está vazia: já não é preciso burra para lavrar os campos nem de porcos para o Natal. Estranho o silêncio de uma casa que sempre foi barulho e vida. Entro pela garagem e percebo que tem o mesmo cheiro, talvez devido aos anos e anos em que a avó ali guardou as cebolas e batatas que cultivava no "tchão", o prado Ana Ramos (ou como se diz lá, Prad'naramos). Descubro aí reminiscências de um tempo que não volta mais: a albarda da burra, a chave grande e ferrugenta do portão antigo, a cadeira de plástico do avô, a cesta das batatas, a tenaz velha do lume. Estas pequenas recordações levam-me de volta à altura em que os meus avós eram vivos e eu pensava que assim seria para sempre, a casa da avó na aldeia era um paraíso só meu do que me fazia mais feliz: brincar ao boi com os meus primos, levar a burra ao Prad'naramos com a avó e o Tio Gustavo, a chegada da família de França e os grandes banquetes da avó, os dias quentes de capeia e de festa no mês de Agosto.
Sigo para casa do Tio Eusébio, que hoje faz 59 anos. Estamos quase todos presentes: uns vieram de Lisboa, outros do Porto, fazemos quilómetros com gosto porque sabemos quão valiosos são estes momentos, quão importante se torna cada vez mais celebrar a vida dos nossos tios. Sentamo-nos à mesa e trocamos sorrisos contidos, ninguém diz nada mas toda a gente sente a ausência do Tio Gil. Ocorre-me o curral da avó e as ruas quase vazias da aldeia. Respiro fundo e encho o copo de sangria. Brindamos ao meu tio. A bebida fresca enebria o medo do tempo que há-de vir e a saudade do que já foi, prendendo-me finalmente ao presente. Rio, brinco com os meus primos mais pequenos e delicio-me com as sobremesas da minha mãe e da minha tia. Afinal, a aldeia ainda é o paraíso do que me faz mais feliz, mas agora compreendo que, mais que um lugar, é por eles que regresso sempre. Pelos sorrisos e a felicidade dos meus.
Dou volta à aldeia e vou encontrando alguém que se queixa dos joelhos ou da saudade - longe vai o tempo em que tinha de ziguezaguear entre burros, vacas e carroças para passar pelas largas ruas da minha aldeia. Chego à porta da eterna casa da avó, apesar de ser agora do Tio Gustavo. Entro pelo curral vazio, percorro o chão empedrado e lembro-me de quando era de terra e estava coberto de palha, quando as galinhas se passeavam livremente e todo o curral era um gigantesco ninho de ovos. A loje dos animais está vazia: já não é preciso burra para lavrar os campos nem de porcos para o Natal. Estranho o silêncio de uma casa que sempre foi barulho e vida. Entro pela garagem e percebo que tem o mesmo cheiro, talvez devido aos anos e anos em que a avó ali guardou as cebolas e batatas que cultivava no "tchão", o prado Ana Ramos (ou como se diz lá, Prad'naramos). Descubro aí reminiscências de um tempo que não volta mais: a albarda da burra, a chave grande e ferrugenta do portão antigo, a cadeira de plástico do avô, a cesta das batatas, a tenaz velha do lume. Estas pequenas recordações levam-me de volta à altura em que os meus avós eram vivos e eu pensava que assim seria para sempre, a casa da avó na aldeia era um paraíso só meu do que me fazia mais feliz: brincar ao boi com os meus primos, levar a burra ao Prad'naramos com a avó e o Tio Gustavo, a chegada da família de França e os grandes banquetes da avó, os dias quentes de capeia e de festa no mês de Agosto.
Sigo para casa do Tio Eusébio, que hoje faz 59 anos. Estamos quase todos presentes: uns vieram de Lisboa, outros do Porto, fazemos quilómetros com gosto porque sabemos quão valiosos são estes momentos, quão importante se torna cada vez mais celebrar a vida dos nossos tios. Sentamo-nos à mesa e trocamos sorrisos contidos, ninguém diz nada mas toda a gente sente a ausência do Tio Gil. Ocorre-me o curral da avó e as ruas quase vazias da aldeia. Respiro fundo e encho o copo de sangria. Brindamos ao meu tio. A bebida fresca enebria o medo do tempo que há-de vir e a saudade do que já foi, prendendo-me finalmente ao presente. Rio, brinco com os meus primos mais pequenos e delicio-me com as sobremesas da minha mãe e da minha tia. Afinal, a aldeia ainda é o paraíso do que me faz mais feliz, mas agora compreendo que, mais que um lugar, é por eles que regresso sempre. Pelos sorrisos e a felicidade dos meus.
Comentários
E o teu coração é da tua família, sempre foi. Ainda bem que o regresso é bom, mesmo sem o tio Gil (ele está presente de outra forma!)
<3