Quase uma da manhã. Ela não dorme. Com uma caneca de chá na mão, contempla a chuva que cai lá fora, distraindo o turbilhão de pensamentos com o mau humor que vem dos céus. Será só isto, afinal? "Passamos a maior parte da nossa vida frente a um computador", disse-lhe uma colega hoje, naquilo a que chamam emprego. Passam os dias sem novidades para contar à noite, fazem-se horas extra de olhar vazio, o ano passa, os ordenados chegam, as contas pagam-se. E de repente, os amigos aparecem na televisão, na capa da revista, compram casas e têm bebés. Ela não sabe se já quer brincar aos adultos. Uma vida de gente grande, a correr da creche para o trabalho e daí para o quarto do bebé. Não sabe o que quer. É o problema desta geração de meninos mimados, diriam os tios dela. Têm razão, claro. Antigamente iam todos trabalhar e pronto, não havia tempo para choraminguices. Mas falta qualquer coisa, essa paixão dos tempos de faculdade, a inspiração dos 18 anos, a vida a vibrar nos dedos.
Ela deita a cabeça na almofada do sofá, e as mãos, outrora loucas de ideias e projetos, jazem encolhidas na barriga - a sala está gelada. "Gelada como a minha alma", pensa ela, melodramática. Quanto vale o pijama quentinho, o robe polar, o chá a escaldar. Ela fecha os olhos e tenta sonhar. Vai. Os 18 anos não estão assim tão longe. Foram só há mais de dez anos...
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