Ontem a minha mãe disse-o. De repente, fugiu-lhe dos lábios o que há seis meses evitamos dizer. Soou-me a algo errado, surreal, soou-me até a um erro de gramática, como se o sujeito e predicado não jogassem um com o outro. Quando ouvi, percebi: ainda não caiu em mim. O tio Gil morreu. Foi isso que ela disse, num de repente, vírgula isto e aquilo da conversa que estávamos a ter. O tio Gil morreu, por isso, tal e tal. Mas antes da vírgula está tudo errado, risca e volta a escrever por favor. E saiu-me, eu tenho o cérebro colado à boca: que estranho isso que tu disseste. A mãe limpou os olhos e eu pensei: pronto, já fiz asneira, podia ter deixado passar, mas não, ainda pisei mais na ferida. E continuo sem conseguir deixar de escrever sobre isso. Desde aquele quente sábado de agosto, véspera do tão aguardado encontro de família, que não compreendo a que realidade fui parar. Parece que entrei para uma nova dimensão, essa de ter primas sem pai, a minha mãe sem irmão, os meus tios cinco quando sempre foram seis, quando o tio Gil partiu, mesmo ao jeito dele, de súbito e sem avisar, porque ele nunca gostava de incomodar.
Ontem a minha mãe disse-o e eu agora escrevi-o. Mas continua a parecer mentira.
Ontem a minha mãe disse-o e eu agora escrevi-o. Mas continua a parecer mentira.
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