Cartas ao meu tio - III - O que foi não volta a ser
Esta semana vi uma foto da casa da avó no facebook. Já não é a mesma casa da avó: a varanda está despida dos mil e um vasos de flores bonitas que ela cuidava, e a porta está fechada. A porta de casa da avó nunca estava fechada, só à noite. Durante o dia, a porta ficava escancarada, convidando quem quisesse a espreitar a marquise com o sofá onde o avô se deitava, e a entrar a qualquer hora.
Quando a avó e o avô partiram, passei muitos anos sem conseguir lá entrar. Não era a mesma casa: a avó não me viria receber à porta e o avô não chamaria passarito à minha irmã. No início, fechava os olhos quando chegávamos à aldeia, pois a primeira imagem que vemos é aquela frondosa vivenda a abrir os braços à nossa chegada, agora vazia dos braços que nos recebiam. Os meus pais já tinham uma casa nova em Aldeia Velha, o que nos deu o distanciamento necessário para continuar a visitar a aldeia e, aos poucos, deixar de sofrer tanto com a partida dos avós. Habituámos-nos, também, a pensar que agora era "a casa do Ti Gus e do Ti Gil", a porta de onde vos víamos sair, sempre bem arranjados e cheirosos (seguindo o legado do avô, todos os meus tios são aprumados, mas o mais vaidoso eras tu, tio, que nunca saias de casa sem pentear muito bem o cabelo e engraxar os sapatos).
No dia da cerimónia das tuas cinzas voltei lá a casa. A cozinha está igual, a lareira onde eu e a avó adormecíamos à conversa pela madrugada, o fogão onde ela fazia os melhores petiscos e sobremesas, e na bancada o rádio onde ela ouvia o terço, todos os dias às 19h. Tio, tu continuaste passar ali as tuas férias, a sentir a presença dos avós em cada quarto. De certeza que percorreste muitas vezes aquele corredor pensando nos Natais que ali passámos todos juntos, eu e as tuas filhas a pendurar meias à lareira. O futuro parece-me tão triste sem isto, os cheiros da casa da avó, a música do teu acordeão, as tuas bochechas rosadas à mesa (mesmo sem teres bebido nada, eu sei!!). Tenho medo de sermos menos, tenho medo que os meus filhos já não saibam o que é isso de ter uma família com muitos tios e primos à mesa. Fico tão triste quando penso que já só te irão ver a tocar num vídeo ou em fotografia... não é justo, simplesmente não é! Tanta gente má que Deus podia tirar da minha vida, e escolheu-te a ti, tio, que tanto gostavas de mim... se me faltam os meus tios ou os meus pais, falta-me o meu berço, o meu refúgio, o meu chão. Não sei o que sou sem quem me conhece e me faz feliz.
Mas como diria a música "o que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira" ... Deixa só que te possamos recordar, dia após dia, aniversário após aniversário. Deixa-me ter para sempre a recordação do teu sorriso verdadeiro e sereno, que me ajuda também a acalmar.
Tenho tantas saudades!!!!
Quando a avó e o avô partiram, passei muitos anos sem conseguir lá entrar. Não era a mesma casa: a avó não me viria receber à porta e o avô não chamaria passarito à minha irmã. No início, fechava os olhos quando chegávamos à aldeia, pois a primeira imagem que vemos é aquela frondosa vivenda a abrir os braços à nossa chegada, agora vazia dos braços que nos recebiam. Os meus pais já tinham uma casa nova em Aldeia Velha, o que nos deu o distanciamento necessário para continuar a visitar a aldeia e, aos poucos, deixar de sofrer tanto com a partida dos avós. Habituámos-nos, também, a pensar que agora era "a casa do Ti Gus e do Ti Gil", a porta de onde vos víamos sair, sempre bem arranjados e cheirosos (seguindo o legado do avô, todos os meus tios são aprumados, mas o mais vaidoso eras tu, tio, que nunca saias de casa sem pentear muito bem o cabelo e engraxar os sapatos).
No dia da cerimónia das tuas cinzas voltei lá a casa. A cozinha está igual, a lareira onde eu e a avó adormecíamos à conversa pela madrugada, o fogão onde ela fazia os melhores petiscos e sobremesas, e na bancada o rádio onde ela ouvia o terço, todos os dias às 19h. Tio, tu continuaste passar ali as tuas férias, a sentir a presença dos avós em cada quarto. De certeza que percorreste muitas vezes aquele corredor pensando nos Natais que ali passámos todos juntos, eu e as tuas filhas a pendurar meias à lareira. O futuro parece-me tão triste sem isto, os cheiros da casa da avó, a música do teu acordeão, as tuas bochechas rosadas à mesa (mesmo sem teres bebido nada, eu sei!!). Tenho medo de sermos menos, tenho medo que os meus filhos já não saibam o que é isso de ter uma família com muitos tios e primos à mesa. Fico tão triste quando penso que já só te irão ver a tocar num vídeo ou em fotografia... não é justo, simplesmente não é! Tanta gente má que Deus podia tirar da minha vida, e escolheu-te a ti, tio, que tanto gostavas de mim... se me faltam os meus tios ou os meus pais, falta-me o meu berço, o meu refúgio, o meu chão. Não sei o que sou sem quem me conhece e me faz feliz.
Mas como diria a música "o que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira" ... Deixa só que te possamos recordar, dia após dia, aniversário após aniversário. Deixa-me ter para sempre a recordação do teu sorriso verdadeiro e sereno, que me ajuda também a acalmar.
Tenho tantas saudades!!!!
Comentários