A casa
Se os sonhos são feitos dessa matéria doce a que sabe a infância, então os meus cheiram a terra molhada, a filhozes quentinhas e a caldo escoado.
Sempre que sonho com a terra dos meus pais, aquela pequena e velha aldeia do interior beirão, vejo-me ainda na casa dos meus avós, no tempo em que os animais faziam parar o trânsito e os sapadores não tinham campos para limpar. Achava curioso quando a minha mãe me contava que, quando sonhava com a aldeia, se via na casa dos pais antes das obras, um pequeno piso térreo que eu já conheci como uma grande vivenda de dois pisos. Há algum tempo que me acontece o mesmo, adormeço e estou na casa deles, a minha avó está na cozinha a alourar as batatas ao lume, o resto das batatas cozidas que sobraram do almoço, cheira também a chicharrão e a mílharas acabadas de fazer. Eu e os meus primos sentamo-nos na mesa mais pequena, "dos putos", e pedimos as batatas, mas não há nada para ninguém enquanto não comermos todos o caldo.
Sonho sempre com aquela sala cheia, essa que perdeu todos os cheiros que tinha, a comida da minha avó, os doces, amor, família. Depois da partida dos meus avós, quisemos fechar aquela casa no tempo, mudámos os almoços e jantares de família de cenário, não escrevemos mais histórias naquela mesa, sem os protagonistas daquelas paredes e cheiros.
As novas paredes já ganharam cheiros e recordações, mas não é a mesma coisa. Já ninguém faz filhozes na véspera de Natal, as mãos rugosas a benzer a massa, os enchidos ao fumeiro no curral. A comida que sobra vai para os cães e galinhas do meu tio, não vai para os porcos da minha avó, nem há burra a fazer barulho durante a noite. As batatas, cebolas, cenouras e couves da sopa não vêm lá de baixo do curral, onde a avó guardava o que tirava da terra, embora alguns tios já se tenham dedicado a recuperar alguns terrenos da família. Tudo mudou e nós continuamos os mesmos, embora incompletos para sempre. Como num livro de decalques, os meus avós foram roubados e levados para mais longe que debaixo da cama, para onde fogem as peças que faltam.
Quando adormeço em polvorosa, cabeça a girar em desatino, o dia que ainda não chegou a ameaçar pesadelos, acordo e sonhei com eles, estivemos juntos no passado congelado daquela sala cheia. Emoções para sempre guardadas numa infância feliz.
As novas paredes já ganharam cheiros e recordações, mas não é a mesma coisa. Já ninguém faz filhozes na véspera de Natal, as mãos rugosas a benzer a massa, os enchidos ao fumeiro no curral. A comida que sobra vai para os cães e galinhas do meu tio, não vai para os porcos da minha avó, nem há burra a fazer barulho durante a noite. As batatas, cebolas, cenouras e couves da sopa não vêm lá de baixo do curral, onde a avó guardava o que tirava da terra, embora alguns tios já se tenham dedicado a recuperar alguns terrenos da família. Tudo mudou e nós continuamos os mesmos, embora incompletos para sempre. Como num livro de decalques, os meus avós foram roubados e levados para mais longe que debaixo da cama, para onde fogem as peças que faltam.
Quando adormeço em polvorosa, cabeça a girar em desatino, o dia que ainda não chegou a ameaçar pesadelos, acordo e sonhei com eles, estivemos juntos no passado congelado daquela sala cheia. Emoções para sempre guardadas numa infância feliz.
Comentários