O violino, o maestro e o piano
Eu sou o violino e tu o maestro. Naquele dia esqueceste-te de como ler a partitura mesmo que soubesses de cor e salteado o dó-fá-sol-mim. Se o professor te visse ia fazer como antigamente, dar-te reguadas nas mãos e repreender-te porque afinal rapazinho, não estás a tocar a melodia como deve ser. "Vá lá rapazinho um, dois, genica". O professor ao longe a bater o pé e a repetir as mesmas palavras. Dó-Ré-Mi. Voltamos ao presente. Deixamos o professor como uma daquelas imagens a preto e branco e a realidade volta a cores. Continuas estático em frente ao violino que chora baixinho nas tuas mãos, mas não não estás a tocar a melodia certa. O violino sabe. Ao longe o piano ilumina-se e tenta seduzir o violino para outras danças. A deixar de seguir sempre o maestro e a ser um violino simplesmente. "Não me toques mais nas cordas", poderia o violino dizer se conseguisse falar. Mas habituou-se às mãos do maestro e à leveza da sua forma de tocar as suas cordas. 1,2,1,2. Então o maestro pára de repente. Apoplexia instantânea de sentidos. A música recomeça e ilumina-se o mundo, como uma melodia inacabada e acabada de começar. No palco não há mais ninguém e o maestro lembra-se como lia a partitura. Com o coração, pum-pum-pum, seguir o ritmo da partitura e ler o coração. Bem, talvez seja ao contrário. O maestro conta ao violino do seu amor, da sua paixão e à cabeça voltam todas as imagens esquecidas. Em troca o violino vibra nas cordas com força e enche tudo de música. Cada recanto poeirento do coração do maestro.Um calor invade o palco, uma subtil fragrância a vida invade todas as coisas. Estás a ver maestro? Não é preciso muito para se fazer uma orquestra. Bastamos nós dois. E dispensamos a intromissão de pianos na nossa música.
Comentários