Comboio

Éramos nós mas como se não fosse. Falávamos todas ao mesmo tempo. O comboio corria pela loucura das nossas vozes. Palácios praias prédios montes vales e nunca parava como um cavalo galopando e fazendo a paisagem desviar-se.
Passou a tua casa, a minha, a dela, perto tão perto e tão rápido para não as termos, e tão distantes naquele comboio foram um piscar de olhos. Carregávamos no botão de saída e as portas não abriam, o comboio cada vez mais montanha-russa. Ao desespero juntava-se o medo, sem rumo nos lançava o comboio, o tempo crescia em dias mas nunca era de noite. Lá fora o sol parecia sempre meio-dia altura normal para andar de comboio. Mas nós sentadas numa carruagem de repente vazia como sempre que se escrevem estranhas viagens sentíamo-nos mal como se tivesse passado da hora de jantar e adivinhássemos as testas franzidas dos pais.
Sei que me encostei a ti e ela deu-me a mão, chorámos tudo e pensámos igual num lugar onde parar, faltaram só os sapatinhos da Dorothy. O comboio não obedecia à nossa ingenuidade de contos infantis.
"Estás a sonhar, Fátima, não percebes? O comboio só pára quando quiser, elas nem estão contigo". Mas não, mandei mais, acordei. Comboio nem pesadelo nenhum me levam onde posso ir sozinha.

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