BRUXA

Corrige-me se estiver enganada. Como se fosse possível algum engano. Esbofeteia-a um calor infernal enquanto escreve as linhas de uma discórdia inacabada. Corrige-me se estiver enganada. Mas ela sabe que não está enganada, é apenas enganada. Por aqueles que não sabem ou sabem mas não querem saber de quem é. Porque ela é mais que eles, ela é grande, tempestuosamente grande, enorme, gigantesca, avassaladora, montanhesca e esca e esca e esca. E está tão cansada. Tão cruelmente cansada de recitar sozinha o monólogo da vida. Cansada cansada e cansada outravez. E se não está enganada preferia estar. O calor vai desaparecendo e dá lugar a um céu promíscuo malagueta-sangue a penetrar na carne com ventos que cirandam sem cessar. Os zumbidos do vento também não deixam margem para engano. A mudança está próxima. E ela não está de certo enganada. A mãe ensinou-a a escutar as rochas, os ventos, as luas cheias e as luas vazias da sua alma. Estudou escrupulosamente os astros e as madrugadas, os amanheceres e os significados da natureza. Conhece a leitura das mãos como a palma da sua. Tão pequena e de dedos finos onde os anéis baloiçam. Sente o poder da noite que chega e a lareira que arde aos seus pés. Ainda ressoa nos ouvidos o que lhe disseram, o que lhe chamaram, o que lhe quiseram fazer. Só que ela é forte, robusta, poderosa, poderosíssima e não está enganada. Está apenas só. irremediavelmente só.

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