Don't speak


 Posted by Picasa



Fazes contas pequeninas de somar (onde é que eu já ouvi isto?), e dás uma volta pelos teus amigos como quem procura um livro ou um CD que adoravas e há tempos que não ouves. Versos sem melodia surgem sem pauta, e misturas personagens em datas e férias, porque pensas a tua vida como uma série: em 2000 tinha aquela roupa, em 2001 conheci aquele, em 2002 chateei-me com o outro. Os amigos dos teus amigos que entram em tua casa por acaso e ficam a tarde toda como as participações especiais se apaixonam de repente pelos protagonistas, os acidentes que os afastam e os cortes de cabelo que mudam os genéricos das várias épocas. Mas a tua vida não vai sair em DVD, por isso não tens como gravar aquele passeio em que descobriste que na adolescência eras viciada no mesmo jogo que o outro ou que tiveram o mesmo casaco. As conversas e descobertas não são organizadas como os registos de MSN.

A cada cara pensas: quando foi aquilo, quem estava lá, será que foi com ele aquela tarde? Acertas o ambiente com as músicas que afinal servem sempre (aquele CD perdido e finalmente encontrado) e brincas com as pastas imensas de momentos e lugares em que se desenham as tuas pegadas como um mapa sem a cruz vermelha e o trilho certo (o teu mapa está cheio de curvas, como aqueles dos piratas que não queriam que encontrassem o seu tesouro - é melhor sonhá-lo que usá-lo e gastar-lhe a cor). As imagens digitais cansam-te. Tão parecidas e maquilhadas que parecem revistas de socialite.

Entretanto encontras o teu álbum de fotografias antigas e reparas nas roupas largas, nas calças de ganga de cintura subida e agarradinhas à perna com estampados do Mickey para esconder os rasgões, nos sorrisos bochechudos e os cabelos despenteados. Naquela tarde tirámos fotos porque era o último dia do ano. Agora tiramos fotos todos os dias com as pessoas diferentes que se vão cruzando connosco por acidente (para pensar que temos tudo e todos), inventamos poses de barrigas encolhidas e caras treinadas no espelho e na máquina que agora apaga os sorrisos que ficam mal e os olhos vermelhos. E aquelas pessoas que vês abraçadas a ti e mal penteadas são como as mil histórias de romances que vais perdendo e esquecendo, confundindo e misturando com outras. Como se chamava afinal? Era de onde? Será que ainda tenho o número dele? Mas não vale a pena. As pessoas não ficam porque moram perto ou estudam no mesmo sítio. Ficam quando mesmo que não hajam novidades tenham vontade de falar sem parar. Há pessoas que têm som nas fotografias ou que se repetem a cada página, e outras que se tornam apenas uma cara numa fotografia de grupo. Há pessoas que te hipnotizam e que te dão vontade de mergulhar na espiral dos seus olhos porque te parecem imitar em filmes e sítios preferidos. E ainda outras que se apaixonam por ti e te querem seguir para todo o lado. Mas preferes sempre os olhos-espiral e nervosos aos populares e amigos de todos. E preferes sempre quem não é tão fácil de gostar, quem esconde em si contradições e esquisitices. Os mistérios e os teimosos são especiais. E os arrebatamentos também, mesmo que acabem com ritmo cardíaco monótono. Aqueles que se afastam para se esquecerem que se querem beijar. Acabou e as nossas piadas já não têm graça. Então guardamos os cacos do cristal afinal tão frágil que nos envolvia. Ele mostrou-me que posso ser rabujenta se estou de mau humor, que posso dizer o que sinto e outras vezes nada porque os No Doubt disseram tudo ("Don't speak, I know just what you're saying, so please stop explaining, don't tell me cause it hurts..."). Empurrámo-nos a pouco e pouco e não precisámos de dizer nada. Aprendemos os dois que um "Gosto de ti" não é mão dada para sempre, e que as pessoas se cansam de nós como nós nos podemos cansar delas. Mas não deixo de sorrir quando me lembro que me disseste "Tu tens tanto...". Porque aconteceu e é verdade mesmo que os teus lábios se tenham cozido na banalidade da rotina e que um dia a paixão tenha virado bom dia. (Porque estamos unidos no silêncio, e na quietude da memória um dia pode explodir a loucura da saudade.)

Comentários

AR disse…
Antes de pensar tanto na vida tento vivê-la...até explodir de loucura ou de saudade. Só nós nos importamos. Não existe mais ninguém. Ninguém que nos possa completar tão amargamente.
Anónimo disse…
Lindo! Disseste tudo.
o alquimista disse…
Olá Deusa, passei por aqui e gostei, volto se não te importares...
o alquimista disse…
E foi tão bom ter-te no meu espaço...

Um doce beijo
Fátima disse…
vocês não se esquecem de me ler.

=*
AR disse…
imunidade rulz!
é por aí...
;)*
Marta disse…
lá tás tu a ganhar-me no número de posts...mas tu vais ver kd fores pa AV..ahahaha (riso maquiavélico):P

Gosto das tuas metáforas. E de pessoas com olhos espiral. e n gosto de banalidades
Anónimo disse…
a ordem cronologica dos meus comentarios nao coincide c a dos textos colocados. ainda assim, deixei o melhor para o fim, pq gstei mt deste texto. nao so das palavras, cm do encadeamento.. gstei mm de ler =) ***
Anónimo disse…
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